Aprosoja – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Grupo de seis empresas controla mercado global de transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/grupo-de-seis-empresas-controla-mercado-global-de-transgenicos/ Tue, 12 Nov 2013 09:18:55 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=53 Ação das transnacionais é norteada pela política do fato consumado na introdução de produtos, pressão sobre os agricultores e influência direta sobre os órgãos públicos

Por Maurício Thuswohl

Basta dar uma olhada na lista de cultivos geneticamente modificados já liberados para plantio comercial em território brasileiro pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – cinco tipos de soja, 18 de milho e 12 de algodão, além de uma de feijão – para se ter a noção exata de que o clube dos transgênicos é para pouquíssimos sócios. Com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

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O monopólio praticado pelas transnacionais no mercado agrícola brasileiro se reproduz em todo o mundo. Um relatório divulgado em março pelo Grupo ETC, organização socioambientalista internacional que atua no setor de biotecnologia e monitora o mercado de transgênicos, revela que as seis maiores empresas, apelidadas de “Gene Giants” (Gigantes da Genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor.

Infográfico: Transgênicos liberados no BrasilBaixe os dados em uma tabela com as propriedades de cada transgênico

A concentração de mercado, por si só, já seria passível de críticas, mas ambientalistas, associações de defesa do consumidor e adversários dos transgênicos em geral também repudiam severamente os métodos utilizados ao longo dos anos pelas Gene Giants para consolidar seu monopólio. Nos países onde atuam, a ação das empresas transnacionais, ainda hoje, é norteada pela política do fato consumado na introdução de seus produtos (com práticas como a distribuição ilegal de sementes ou a contaminação deliberada de lavouras convencionais), a pressão sobre os agricultores para a adoção da tecnologia transgênica e dos produtos químicos agrícolas a ela associados e a influência direta sobre os órgãos nacionais do poder público responsáveis por deliberar sobre a liberação de organismos geneticamente modificados.

Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais

 

Um dos métodos utilizados pelas transnacionais, diz Frigo, é cooptar cooperativas agropecuárias para fazer a distribuição das suas sementes e, à medida que as empresas de sementes vão sendo compradas e o mercado dominado, colocar à venda apenas a semente com a qual terão mais lucro: “Aqui no Brasil, muitas vezes, os agricultores iam comprar as sementes convencionais e não as encontravam mais, ou as encontravam em quantidades muito pequenas, o que os obrigava a, não tendo outra opção, comprar as sementes que, por exemplo, a Monsanto impunha no mercado. Então, essa imposição do pacote tecnológico, a imposição da transgenia, se deu a ferro e fogo. Quando os agricultores se deram conta, haviam entrado em um caminho sem volta”.“No Brasil, essas transnacionais compraram praticamente todas as pequenas e médias empresas de sementes, além de dominarem a cadeia agroalimentar desde a produção de sementes, agroquímicos e agrotóxicos até a parte de logística, transporte e exportação. Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais. Isso é um problema grave para um país que quer ter soberania alimentar e condições melhores de produção para garantir alimentos de qualidade à população”, diz Darci Frigo, advogado da organização socioambientalista Terra de Direitos. Nesses dez anos de reinado transgênico no país, diz Frigo, a perda da diversidade alimentar já é realidade: “Essas empresas vêm homogeneizando a dieta com poucos produtos. Basicamente, aqueles produtos que interessam a elas do ponto de vista da aplicação de determinados agrotóxicos ou outros insumos, com a chamada venda casada”.

A captura dos agricultores é também apontada pelo pesquisador Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Se você falar com um agricultor gaúcho sobre a opção de não plantar transgênicos, ele simplesmente vai te dizer que não existe mais semente convencional. O mercado foi tomado pelas sementes transgênicas. Hoje, ele está dominado, e você não tem nem mais a alternativa de plantar culturas convencionais. Isso é um escândalo, porque vai contra a economia do próprio agricultor, que perde a possibilidade de fazer a sua própria semente e tem de pagar royalties para as empresas. O círculo está se fechando, e o governo deveria resguardar, no mínimo, a possibilidade de produção de sementes convencionais e sementes crioulas”, diz.

Capa do DVD do filme "O mundo segundo a Monsanto"

Capa do DVD do filme “O mundo segundo a Monsanto”

Influência
Talvez as mais conhecidas peças de denúncia sobre os métodos utilizados pelas gigantes do setor de transgenia, o livro e o filme “O mundo segundo a Monsanto”, ambos da francesa Marie-Monique Robin, relatam a trajetória histórica da empresa estadunidense, desde o seu envolvimento nas pesquisas sobre a bomba atômica (que acabou jogada sobre os civis japoneses nos anos 1940) e a criação do agente laranja (utilizado para matar civis na guerra do Vietnã nos anos 1960) até sua chegada à tecnologia transgênica e ao novo papel de “empresa agrícola” nos anos 1990.

Durante todas essas décadas, relata Robin, a Monsanto jamais deixou de exercer forte influência sobre os agentes públicos que ocupavam postos em órgãos de estratégica importância como, por exemplo, a agência que regula o mercado de alimentos, drogas e produtos químicos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês). Livro e filme têm também uma parte especialmente dedicada à América do Sul, onde mostram os métodos utilizados pela Monsanto para introduzir ilegalmente a soja transgênica RR na lavouras do estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

No Brasil, o método básico de ação das Gene Giants para consolidar a posição de seus produtos no mercado também alia a pressão sobre os agricultores à tentativa de influenciar setores estratégicos da administração pública: “Há uma influência muito grande no direcionamento da pesquisa e também no âmbito do Congresso Nacional e do financiamento das campanhas eleitorais. Isso determina que os temas de interesse das empresas de biotecnologia acabem entrando na lógica do parlamento. A bancada ruralista presta serviço à transgenia, apesar de os agricultores serem dominados pelo cartel formado por essas empresas, porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais”, diz Darci Frigo.

A bancada ruralista presta serviço à transgenia porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais


iTunes transgênico
Segundo o dirigente da Terra de Direitos, é tanta a força das gigantes da transgenia no Brasil atualmente que elas até mesmo reduziram sua propaganda: “As empresas abandonaram o discurso de que transgênico diminui o uso de agrotóxicos porque já estabeleceram seu domínio sobre os agricultores e o mercado, e agora ninguém mais vai discutir essa diminuição. As autoridades não questionam e o Ministério da Agricultura não se estrutura para fazer uma real fiscalização do que acontece no terreno. É grande a influência dessas empresas por meio da pressão sobre os parlamentares ou por meio das ações de cooptação dos órgãos responsáveis pela fiscalização, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para liberar agrotóxicos, ou a CTNBio, para liberar transgênicos”, diz Frigo.

Mais recentemente, setores antitransgênicos manifestaram seu repúdio à iniciativa de algumas empresas transnacionais que anunciaram o compartilhamento gratuito de tecnologias relativas a seus produtos para pesquisadores de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, um acordo inicialmente elaborado pela Monsanto, e agora posto em prática pela General Electric (GE), promete liberar aos agricultores informações técnicas sobre diversos produtos da empresa que já tiveram suas patentes expiradas: “Com isso, querem fazer que uma prática monopolista pareça um ato de caridade”, diz o relatório do Grupo ETC.

A medida de maior impacto, no entanto, foi anunciada em janeiro pela Syngenta. A transnacional suíça lançou na internet o que define como uma “plataforma de compartilhamento de inovação na agricultura”, onde disponibiliza gratuitamente para pesquisadores algumas técnicas e características genéticas de suas sementes patenteadas. Ironicamente batizada pelo movimento socioambientalista como o “iTunes dos Transgênicos”, o site da Syngenta é definido pelo Grupo ETC ao mesmo tempo como “uma tentativa de imposição de transferência tecnológica para o Sul” e “uma jogada concebida expressamente para acalmar o movimento contra o patenteamento de plantas que ganha força na Europa”.

Briga por royalties
No que diz respeito a patentes, o poder de persuasão das empresas que controlam o setor de transgênicos também tem seus limites. Absoluta no mercado brasileiro de soja transgênica, a Monsanto mantém há anos uma complicada relação com os produtores do grão no país por conta da cobrança de royalties relativos à sua tecnologia RR. Em junho deste ano, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), motivada por uma ação da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), determinou que a empresa suspendesse a cobrança de royalties, considerada indevida. A decisão obrigou a Monsanto a fazer um acordo com os produtores brasileiros para o ressarcimento de R$ 212 milhões cobrados indevidamente nas safras 2010/2011 e 2011/2012.

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Diretor técnico da Aprosoja-MT, Nery Ribas afirma que, se dependesse das poucas informações transmitidas aos produtores pela Monsanto ao longo de todos esses anos de relação, a cobrança indevida não teria sido percebida: “Antes, a dificuldade em obter informações era muito grande, mas, com a contratação de consultorias especializadas, conseguimos demonstrar que a patente havia vencido em agosto de 2010. Ou seja, já havia sido cobrado indevidamente em duas safras”, diz.

Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, a Monsanto vai ter de pagar em dobro

 

O acordo será efetivado na comercialização da nova tecnologia transgênica para soja desenvolvida pela Monsanto no Brasil, conhecida como Intacta: “O que temos para receber, relativo a esses dois anos, nos vai ser pago em forma de bônus no uso da nova tecnologia. Por quatro anos, a Monsanto concederá um bônus que o produtor poderá utilizar na aplicação da tecnologia. Em vez de R$ 115 por hectare, que é o preço dos royalties já definido pela Monsanto para a Intacta, serão cobrados R$ 96,50. Ou seja, haverá R$ 18,50 a menos por hectare durante quatro anos”, diz o dirigente da Aprosoja.A Aprosoja-MT liderou então um movimento pelo fim da cobrança dos royalties que acabou tendo efeitos em todo o Brasil: “Entramos com a ação e ganhamos em todas as instâncias. A Monsanto reconheceu o erro e estendeu esse benefício para todo o país. Já não cobrou os royalties nessa última safra [2012/2013] e, depois de muita discussão, chegamos a um acordo. Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, vão ter de pagar em dobro. A legislação brasileira é muito clara: cobrou indevidamente, tem de pagar em dobro”, diz Ribas.

Nery Ribas diz que o cultivo de transgênicos “tem suas desvantagens, e uma delas é a obrigação de pagamento de royalties” às empresas detentoras da tecnologia: “Não somos contra a tecnologia e não somos de maneira nenhuma contra pagar pela tecnologia, mas desde que seja bom, justo e interessante para os dois lados. O que vinha ocorrendo é que o monopólio de uma única empresa sobre a inovação tecnológica fez que ela cobrasse um preço que nunca foi discutido pelos produtores. A Monsanto chegava, determinava o valor e pronto. Não se discutia valor, forma de cobrança etc. Nunca se discutiu isso, e o produtor, pela utilização dos benefícios, nunca questionou e sempre pagou, mas sempre reconhecendo que era muito caro”, diz.

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Por Maurício Thuswohl

O acelerado ritmo de crescimento das áreas ocupadas com cultivos geneticamente modificados em várias partes do mundo cria no mercado a expectativa de que o número de pedidos para liberação comercial de transgênicos no Brasil aumente ainda mais nos próximos anos, já que o país tem grande capacidade produtiva e uma extensa área de plantio que ainda pode ser utilizada. Para se ter uma ideia do potencial de expansão das plantas geneticamente modificadas em um país com extensão territorial de dimensões continentais, os Estados Unidos, segundo relatório publicado este ano pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA, na sigla em inglês), plantou um total de 69,5 milhões de hectares com transgênicos em 2012.

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Segundo colocado, com 36,6 milhões de hectares plantados, o Brasil já se posiciona bem à frente dos outros principais produtores mundiais de transgênicos: Argentina (23,9 milhões de hectares), Canadá (11,6 milhões), Índia (10,8 milhões) e China (4 milhões). Atualmente, segundo o relatório do ISAAA, os transgênicos são legalmente cultivados em 28 países e já estão presentes em todos os continentes, em um total de 170,3 milhões de hectares plantados. O último país a entrar no rol dos produtores de plantas geneticamente modificadas foi Cuba, que no ano passado começou a plantar milho com tecnologia B.t.

No mercado internacional, o principal comprador de transgênicos produzidos no Brasil hoje é a China, que fica com 70% da produção brasileira de soja geneticamente modificada, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil): “Para se ter uma ideia da importância chinesa, a Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda. Eles esperaram por duas safras no Brasil, mas enquanto a China não bateu o martelo não dava para usar a nova soja transgênica”, diz Nery Ribas, diretor técnico da entidade.

A Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda

A posição russa está alinhada com a da União Europeia (UE) que, assim como o Japão, rejeita o plantio e dificulta a comercialização de transgênicos em seu território. Na Europa, a rejeição ao consumo de frutas, legumes e verduras transgênicos é tão disseminada no imaginário da sociedade que países como Itália, França, Bélgica e Bulgária, entre outros, já proibiram totalmente o cultivo de plantas geneticamente modificadas em seu território.O relatório do ISAAA revela que em 2012, pela primeira vez, a área plantada com transgênicos nos países desenvolvidos (48%) foi superada pela área plantada nos países em desenvolvimento (52%). Nesse contexto, os países ditos emergentes têm papel de destaque, liderados pelo Brasil que, segundo o ISAAA, a partir da próxima safra já será responsável por um quarto dos transgênicos cultivados em todo o mundo. Entre os países do grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente a Rússia continua livre de transgênicos.

No Japão, a proibição é levada a sério ao ponto de o Ministério da Agricultura ter cancelado, em maio, a importação de parte das 750 mil toneladas de trigo que o país havia comprado este ano dos Estados Unidos. A proibição aconteceu após o Departamento de Agricultura estadunidense ter anunciado a descoberta de contaminação de uma plantação no estado do Oregon por uma variedade transgênica de trigo RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. O detalhe é que o plantio de trigo geneticamente modificado para fins comerciais jamais foi autorizado em nenhum país, nem mesmo nos EUA.

Monsanto desiste da Europa
Responsável por autorizar a entrada de transgênicos nos países da UE, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) liberou até hoje pouco mais de 50 produtos compostos por transgênicos para alimentação humana ou animal. Apenas dois tipos de cultivo em território europeu, no entanto, foram liberados em todos esses anos: o milho MON 810, desenvolvido pela Monsanto e cultivado desde 2008 na Espanha, Alemanha, Portugal, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia, e a batata Amflora, desenvolvida pela Basf e cultivada desde 2010 na Alemanha e na Suécia.

A Espanha, com 97,3 mil hectares plantados com o milho modificado da Monsanto, é o país europeu que tem hoje a maior área cultivada com transgênicos. Por outro lado, o plantio do MON 810 foi completamente proibido na França, Alemanha, Grécia, Áustria, Hungria e Luxemburgo. A batata Amflora da Basf, por sua vez, teve a entrada proibida na Áustria, Hungria, Polônia, França e Luxemburgo.

Em julho, o porta-voz da Monsanto divulgou um comunicado oficial no qual a empresa estadunidense afirma sua desistência de levar adiante todos os projetos envolvendo o cultivo de transgênicos na Europa. Na mesma ocasião, o porta-voz afirmou que “o foco da empresa, no que diz respeito ao desenvolvimento de transgênicos, são os Estados Unidos e a América Latina”, e que a Monsanto continuará pedindo à UE autorizações para importar transgênicos colhidos nos EUA, no Brasil e na Argentina.

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Soja convencional
Mesmo com apenas 12% de sua última safra composta pela soja tradicional, o agronegócio brasileiro também vai bem nesse nicho de mercado. A possibilidade de exportação para a Europa e o Japão faz que o país seja hoje o maior produtor mundial da chamada soja convencional, setor que hoje proporciona uma maior lucratividade que a soja transgênica. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), os agricultores brasileiros recebem de compradores japoneses e europeus um valor adicional que pode chegar a até R$ 8 por cada saca vendida do grão convencional, que se tornou um artigo de luxo.

A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica

A importância dos mercados europeu e japonês para a soja convencional brasileira hoje é tão grande quanto a dos mercados dos Estados Unidos e da China para a soja transgênica: “Não podemos abandonar ou relegar a um segundo plano a soja convencional. Se formou um nicho de mercado interessante para a soja convencional, em termos de preço e valorização na comercialização, com países europeus e alguma coisa no Japão. A produção não pode passar de um determinado volume que já degringola, mas, até esse volume, o produtor tem bônus, tem prêmio e preço e não tem royalties para pagar. Então, a soja convencional proporciona hoje ao produtor uma renda bastante interessante”, diz Ribas.Por outro lado, como a lavoura convencional não pode ter nenhum contato direto ou indireto com a lavoura transgênica, sob risco de contaminação, os agricultores que optam por exportar a soja convencional têm hoje um custo extra por serem obrigados a separar máquinas, equipamentos e silos para uso exclusivo. Ainda assim, diz a Aprosoja com base em estudos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), os custos entre as produções convencional e transgênica hoje se equivalem: “A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica”, diz Nery Ribas.

Dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid ressalta que a reserva de mercado para a soja convencional brasileira na Europa e no Japão é importante também para a resistência contra o domínio total da soja transgênica em nossa lavouras: “Garantimos um espaço de produção não transgênica vital para poder abastecer o mercado europeu que resiste aos transgênicos. Sem essa produção brasileira, os europeus teriam, por exemplo, de se render às empresas de transgenia por falta de opção de oleaginosas para alimentação animal”, diz.

Para parte dos produtores brasileiros, a resistência da soja convencional é também esperança de que as exportações no setor voltem a se qualificar no futuro, já que um efeito colateral do avanço dos transgênicos no Brasil foi a queda nas vendas para o mercado externo dos derivados da soja com maior valor agregado que o grão in natura, como óleo, farelo e outras formas do grão processado.

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Por Maurício Thuswohl

Se o Brasil decidisse comemorar os dez anos, completados em junho, da primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas no país, a confecção de pelo menos uma parte dos quitutes para a festa certamente levaria produtos obtidos a partir de alimentos transgênicos. Negociada entre o governo brasileiro e o Congresso Nacional como reconhecimento a um fato consumado – a introdução ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul da soja geneticamente modificada RoundUp Ready, desenvolvida pela empresa transnacional Monsanto para resistir ao herbicida glifosato – a lei 10.688/2003 foi sancionada há uma década pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, os transgênicos se impuseram como uma realidade nacional e conquistaram espaço significativo no mercado, apesar do desconhecimento da maioria da população sobre seus riscos e da rejeição de diversas organizações representativas dos movimentos sociais.

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Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados
Campo de soja no Mato Grosso do Sul (Foto: Verena Glass)

Campo de milho transgênico no Mato Grosso do Sul. Foto: Verena Glass

O Brasil é hoje, ao lado dos Estados Unidos, líder mundial da produção de soja transgênica. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 88% da safra de soja 2012/2013, que produziu impressionantes 81,3 milhões de toneladas, era composta por grãos geneticamente modificados, que ocuparam 37,1 milhões de hectares. Impulsionada pelo restrito clube de empresas que atua no setor, a força dos transgênicos na atual safra se estende a outras importantes commodities no país, como o milho e o algodão, que também já têm a maior parte de sua produção – 60% e 55%, respectivamente – composta por transgênicos. Na próxima safra (2013/2014), os transgênicos também serão parte da produção do símbolo maior da alimentação do povo brasileiro, o feijão, com o plantio de uma modalidade resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Uma estimativa divulgada pelo Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), baseada em estudo realizado pela consultoria de estratégias em agronegócio Céleres, diz que, somados todos os cultivares, o Brasil terá na safra 2013/2014, que começará a ser plantada em outubro, uma área de 40,3 milhões de hectares ocupada com transgênicos. Líder de mercado, a soja transgênica deverá ocupar quase 27 milhões de hectares na safra 2013/2014, em uma expansão de 8,9% sobre a última safra, e permanecerá presente em todo o país, com destaque para os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O milho transgênico, segundo o CIB, tem uma área total de cultivo para a próxima safra estimada em quase 13 milhões de hectares, já consideradas as colheitas de verão e a safrinha, o que elevaria a 81% a participação dos transgênicos na produção total de milho no Brasil. De acordo com a Embrapa, a safra 2013/2014 terá 467 cultivares de milho em todo o país, dos quais 54% (253) serão ocupados por plantas transgênicas.

Na última safra, a área total de algodão plantada no Brasil – o plantio acontece em todo o país, com exceção das zonas de exclusão no Pantanal e na Amazônia – se aproximou de um milhão de hectares. Para a safra 2013-2014, espera-se que pouco mais de 500 mil hectares sejam ocupados por plantas transgênicas, o que representa um aumento de 4,8% em relação à safra anterior. Segundo o CIB, este ano o algodão transgênico deverá ultrapassar 60% da produção total de algodão no país.

Adoção de biotecnologia agrícola no Brasil, por cultura

Opiniões
A rápida expansão do mercado de transgênicos no Brasil é saudada pelas organizações representativas dos produtores. Diretor técnico da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Nery Ribas define os transgênicos como “um diferencial” na agricultura brasileira: “A evolução da transgenia representou uma revolução na agricultura, com a otimização e agilização do processo de produção, a otimização da utilização de máquinas, o ganho de tempo e a manutenção do funcionário na propriedade”, diz. A Aprosoja, segundo seu diretor, considera a transgenia um “evento de suma importância”, uma “uma inovação tecnológica fantástica” e “uma grande ferramenta para o produtor”.

No movimento socioambientalista, a visão é bem diferente. Para Jean Marc von der Weid, membro da Equipe Executiva da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização especializada em agricultura familiar e agroecologia e fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, por trás da evolução dos transgênicos se esconde uma ameaça concreta à soberania alimentar do Brasil: “As desvantagens das plantas transgênicas em comparação com as convencionais, e mais ainda com as agroecológicas, estão cada dia mais fortes e demonstradas. O que sustenta o domínio dos transgênicos em setores da agricultura brasileira não são suas ‘vantagens comparativas’, mas o virtual monopólio da produção de sementes por parte das empresas que controlam a transgenia”, diz.

A postura da atual gestão do Ministério do Meio Ambiente é levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo

Procurado pela Repórter Brasil por telefone e e-mail, o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Roberto Cavalcanti, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a avaliação do ministério acerca do atual estágio de expansão dos transgênicos no país. Um integrante do segundo escalão do ministério, que pede para não ter seu nome revelado, diz que o tema não faz mais parte das prioridades do ministério: “A postura da atual gestão do MMA é claramente a de levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo”, diz.No governo, a disputa interna que colocou de um lado os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), e de outro os ministérios da Agricultura (Mapa) e da Ciência e Tecnologia (MCT) durante todo o governo de Lula (2003-2010) parece ter sido progressivamente ultrapassada pelos fatos: “A expansão dos transgênicos ocorreu basicamente porque foi gerada uma tecnologia que, pela percepção dos produtores, foi vista como algo que poderia resolver muitos problemas que eles tinham. Por essa razão, a área plantada com essa tecnologia avançou rapidamente e, no Brasil, talvez tenha avançado mais rapidamente do que em outros países em termos de tempo e de área. O caso do milho, por exemplo, foi muito marcante. Isso mostra a importância dessa tecnologia para os produtores”, diz Francisco Aragão, responsável pelos estudos sobre transgênicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, órgão subordinado ao Mapa, onde coordena o Laboratório de Genética.

A Aprosoja reconhece que algumas propaladas vantagens da cultura transgênica não se confirmaram na prática: “Depois de muitos anos, a gente considera que a produtividade e o custo de produção entre a soja transgênica e a soja convencional são iguais. Ao longo dos anos, o preço do glifosato subiu, os preços dos produtos do trato convencional baixaram e assim por diante. Não dá para falar que um produto é mais caro ou mais barato que o outro e que produz mais ou menos que o outro. O que diferencia hoje é a bonificação paga ao produtor convencional. Tem gente que está recebendo o que nunca recebeu: até 50 dólares por tonelada de soja convencional. Isso dá um plus de até R$ 5 por saca. Então, é interessante. O produtor pode fazer as contas. É opção dele, utilizar a soja transgênica ou não”, diz Nery Ribas.

Já os que militam contra a chegada de organismos geneticamente modificados sem as devidas medidas de segurança ao mercado brasileiro dizem acreditar que a atual supremacia dos transgênicos pode ser revertida: “A guerra não terminou, embora tenhamos perdidos algumas batalhas. As evidências sobre os riscos dos transgênicos estão cada vez mais numerosas e contundentes, apesar dos imensos gastos das empresas em propaganda para desqualificar e desmoralizar os cientistas independentes. O que ganhamos nesses dez anos de luta contra os transgênicos foi tempo. Ao impedirmos a invasão transgênica simultânea com a ocorrida nos EUA e Argentina, ganhamos a possibilidade de mostrar aos agricultores brasileiros os problemas vividos pelos produtores desses países após os primeiros anos de aparentes vantagens. Isso não impediu a expansão da soja transgênica, mas a freou. Repare que só no Rio Grande do Sul o predomínio é absoluto, enquanto no Centro-Oeste cresce a resistência a esses produtos”, avalia Jean Marc.

Adoção de biotecnologia agrícola no Brasil, por Estado

Pedidos em série
Sinônimo de transgênico ao longo dos últimos dez anos no Brasil, a soja modificada deve sua entrada no país ao poder da empresa de origem estadunidense Monsanto. Desde 1997, com a chegada às mãos de agricultores gaúchos dos primeiros grãos da soja transgênica conhecida como “maradona”, contrabandeada da Argentina, a Monsanto soube vender as supostas vantagens produtivas da semente RoundUp Ready, mais conhecida como RR, por ser resistente ao herbicida glifosato, também produzido pela empresa. Apesar dos percalços legais – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu este ano a cobrança de royalties da RR aos produtores por considerá-la abusiva – e mesmo com a concessão de autorização para plantio comercial concedida a produtos desenvolvidos por outras empresas, a Monsanto ainda reina absoluta no mercado brasileiro de transgênicos após uma década da liberação de seu primeiro plantio de soja RR.

Órgão responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) já liberou, além dos produtos da Monsanto, outros três pedidos de comercialização de soja transgênica para as empresas Bayer, Basf e Embrapa. Na próxima safra, a Monsanto lançará no mercado uma nova tecnologia, batizada como Intacta, com o início do plantio programado para a segunda quinzena de setembro, que será duplamente resistente a herbicidas e a insetos. A Monsanto decidiu priorizar essa nova tecnologia no Brasil porque a China, principal consumidora da soja transgênica brasileira, liberou este ano sua comercialização, o que traz perspectivas concretas de seu avanço no mercado internacional.

O objetivo manifestado pela Monsanto é ocupar com a nova cultura 10% da área plantada com soja no Brasil. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), a empresa já está disponibilizando para venda aos produtores cerca de 3 milhões de sacas da Intacta. As cinco variedades de soja transgênica que tiveram sua comercialização autorizada pela CTNBio até hoje são: RR, da Monsanto, em 1998; Cultivance, parceria da alemã Basf com a brasileira Embrapa, em 2009; Liberty Link, da alemã Bayer, em 2010 (duas vezes); e Intacta, da Monsanto, em 2010.

Já a liberação comercial do milho transgênico começou em 2007, com as variedades Liberty Link, desenvolvida pela Bayer, Yield Gard, pela Monsanto, e Bt11, pela transnacional de origem suíça Syngenta. Nos anos seguintes, a CTNBio autorizou a produção para fins comerciais de outras 15 variedades de milho transgênico, desenvolvidas por essas três empresas e também pelas estadunidenses DuPont e Dow Agrosciences.

A primeira variedade de algodão transgênico a ter sua produção para fins comerciais autorizada no Brasil foi o Bolgard I, desenvolvido pela Monsanto. Aprovada em 2005, a semente geneticamente modificada também é conhecida como algodão B.t, pois resulta em plantas adicionadas com genes do Bacillus thuringienses, que produzem toxinas com poder inseticida e se tornam resistentes a pragas como o bicudo e a lagarta. Até hoje, a CTNBio já autorizou a comercialização de outras 11 variedades de algodão transgênico, produzidas pelas empresas Bayer e Dow Agrosciences, além da própria Monsanto.

Contaminação
O avanço dos transgênicos no Brasil é acelerado, mas os ambientalistas ainda têm esperança de reverter o cenário atual: “A questão vital para ganhar a batalha no futuro é garantir a produção de sementes não transgênicas e reverter a interpretação legal que faz hoje de um agricultor convencional contaminado por seu vizinho produtor de transgênicos um pirata dos direitos da Monsanto e sujeito a processos e multas. Essa legislação é um dos maiores fatores para o predomínio da Monsanto e outras empresas do gênero, pois permite uma estratégia de dominar pela contaminação e pelo controle da produção de sementes. O agricultor que não quer plantar transgênicos acaba desistindo ao ter de pagar seguidas multas quando sua produção é contaminada”, diz Jean Marc von der Weid, para quem “não seria sequer necessário mudar a interpretação da lei de patentes, mas aplicá-la com rigor”.

O primeiro passo, diz o dirigente da AS-PTA, é regulamentar a cobrança de multas aos agricultores convencionais que têm suas lavouras contaminadas e acabam tachados como piratas da tecnologia transgênica: “Se as empresas fossem obrigadas a cobrar dos agricultores ‘piratas’ apenas a parte transgênica da sua produção, o agricultor contaminado não pagaria mais do que 3% a 5 % de multa, e não os 100% hoje cobrados. A questão é que o teste de transgenia usado pelos fiscais apenas indica se existe mais do que 1% de transgênicos no lote examinado. Com isso, a cobrança é feita como se houvesse 100% de transgênicos no lote. Se a Monsanto for obrigada – e nós vamos à Justiça para provocar uma decisão – a usar um teste que defina com precisão quanto de cada lote é constituído por transgênicos, esse instrumento de constrangimento aos agricultores vai desaparecer”, aposta.

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