Greenpeace – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Empresas ainda lutam para evitar a rotulagem de transgênicos no Brasil https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/#comments Wed, 13 Nov 2013 17:12:08 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=62 Produtos contendo organismos geneticamente modificados são vendidos em todo o país sem qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização
Por Maurício Thuswohl

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

É apenas uma letra “T” pintada em preto sobre um pequeno triangulo amarelo fixado nas embalagens, mas as empresas que comercializam produtos que contêm ingredientes transgênicos fogem desse símbolo como o diabo foge da cruz. Regulamentada em março de 2004, nove meses após a autorização do primeiro plantio comercial de soja transgênica no Brasil, a rotulagem ainda é uma meia-realidade no país.

Se, por um lado, produtos com maior visibilidade, como os óleos de soja ou os biscoitos à base de milho processado das marcas líderes, já são rotulados há algum tempo, outros produtos contendo transgênicos circulam pelo território nacional sem que haja qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização. Ao mesmo tempo, as empresas se valem de parlamentares ligados ao agronegócio para tentar aprovar no Congresso Nacional leis com o intuito de reverter a obrigatoriedade de rotulagem ou, ao menos, suavizá-la.

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A primeira menção à rotulagem de produtos transgênicos no Brasil foi feita no Decreto Presidencial 4.680, que se seguiu à Medida Provisória 113, editada em abril de 2003 pelo governo federal para regularizar a situação dos agricultores gaúchos que haviam plantado ilegalmente naquela safra a soja RR, desenvolvida pela transnacional Monsanto. Ao editar a MP, o governo exigiu que todos os produtos obtidos a partir da soja modificada fossem identificados como tais, desde que detectada uma presença de componentes transgênicos superior a 1% do volume total do alimento vendido, seja para consumo humano ou animal. Três dias após a publicação da MP, no entanto, o próprio Ministério da Agricultura admitiu que o governo ainda não tinha meios para fiscalizar a rotulagem. Esta só viria a ser regulamentada em março de 2004 pelo Ministério da Justiça, que publicou portaria criando o célebre símbolo triangular com a letra “T” em seu interior.

A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa

A resistência das empresas do setor alimentício foi além da retórica, e a maioria simplesmente ignorou a determinação. Isso começou a mudar em 2005, depois que as organizações Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Greenpeace denunciaram que as transnacionais Bunge (Holanda) e Cargill (EUA) utilizavam transgênicos na produção de suas marcas de óleo de soja Soya e Liza, líderes no mercado brasileiro, sem que estas fossem rotuladas. As denúncias, comprovadas pelas investigações do Ministério Público Federal, fez que a Justiça Federal obrigasse as duas empresas a rotular seus produtos com o símbolo dos transgênicos, o que começou a ser feito em 2008.As primeiras fiscalizações, efetuadas pela Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, só vieram a ocorrer de fato em outubro de 2004, por meio de testes realizados em amostras de 294 produtos recolhidos em vários estados. Sintomaticamente, no entanto, jamais foram flagrados pelos fiscais casos de produtos contendo transgênicos. À evidente falta de capacidade de fiscalização do governo, aliava-se a pouca vontade das grandes empresas dos setor de alimentos em aderir à rotulagem: “A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa. O tal símbolo incomoda: não é informação, é um alerta. Incomoda também a tolerância de apenas 1%. Gostaríamos que fosse 4%”, disse, à época, o diretor jurídico da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Paulo Nicolellis.

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Desde 2007, no entanto, parlamentares ligados ao agronegócio, à indústria da alimentação ou ao setor de transgenia começaram a apresentar projetos de lei com o objetivo de criar uma nova legislação para a rotulagem. Naquele ano, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), então no DEM, tentou aprovar, sem sucesso, um Projeto de Decreto Legislativo para acabar com a obrigação do uso do símbolo triangular amarelo com a letra “T”, tão temido pelos ruralistas.

Obrigatoriedade
A principal iniciativa para flexibilizar a medida foi apresentada em 2008 pelo deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS) e incluída desde 2011 na pauta do plenário da Câmara dos Deputados, onde aguarda votação. O PL 4.148 tem como principais objetivos: a) deixar de exigir a obrigatoriedade da informação sobre a presença de transgênicos no rótulo do produto desde que não seja possível sua detecção pelos métodos laboratoriais (regra que excluiria da rotulagem alimentos como papinhas de bebês, óleos, bolachas e margarinas); b) desobrigar a rotulagem dos alimentos com origem em animais alimentados com ração transgênica; c) excluir o símbolo com o triângulo amarelo e a letra “T’ que hoje permite a identificação do produto transgênico; d) tornar facultativa a informação no rótulo quanto à espécie doadora do gene transgênico.

Em carta de repúdio enviada ao Congresso Nacional, diversas organizações do movimento socioambientalista brasileiro afirmam que o PL 4.148/08, ao mesmo tempo, fere o Código de Defesa do Consumidor, revoga o Decreto de Rotulagem (4.680/03), contraria a Lei de Biossegurança aprovada em 2005 e descumpre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil como signatário do Protocolo de Cartagena da ONU. No documento, os ambientalistas afirmam que a tentativa de alterar a lei “prejudica o controle adequado dos transgênicos, já que a rotulagem é medida de saúde pública relevante para permitir o monitoramento pós-introdução no mercado e pesquisas sobre os impactos na saúde” e “viola o direito dos agricultores e das empresas alimentícias que optam por produzir alimentos isentos de ingredientes transgênicos”.

Além disso, a carta assinada por organizações como Idec, Greenpeace, Articulação Nacional de Agroecologia, Campanha Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, Terra de Direitos e Via Campesina, entre outras, afirma que um relaxamento definitivo na rotulagem dos transgênicos no país “pode impactar fortemente as exportações, na medida em que a rejeição às espécies transgênicas em vários países que importam alimentos do Brasil é grande”.

A pressão surtiu efeito, e o PL 4.148/08 adormeceu por algum tempo nas gavetas da Mesa Diretora da Câmara até que a discussão em torno dele foi retomada em dezembro de 2012, em regime de urgência: “Fizemos nova campanha para barrar esse PL, com um bom corpo de assinaturas. Enviamos e-mails diretamente para presidentes de partidos, líderes de bancada, frentes parlamentares e integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [Consea]. A pressão deu certo, ele foi passado para 2013 e ainda não retomado, embora ainda esteja em regime de urgência. A qualquer momento, pode ser votado”, diz João Paulo Amaral, pesquisador do Idec, ressaltando que a rotulagem de transgênicos está prevista no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos.

O limite de 1%
Em agosto de 2012, provocado por Ação Civil Pública movida pelo Idec, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região concedeu decisão favorável à rotulagem de produtos alimentícios que contivessem qualquer porcentagem de transgênicos, mesmo abaixo de 1%. A decisão confirmou ação movida em 2007 e negou recursos interpostos pela União e pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia): “O Idec entrou com ação considerando que essa definição de 1% não estaria garantindo a informação clara ao consumidor, que poderia estar ingerindo algo com transgênicos, embora fosse menos de 1%, e não saberia disso. A decisão do TRF quebrou com essa regra do 1%. Então, ficou valendo a rotulagem para qualquer porcentagem de transgenia”, diz Amaral.

A vitória dos movimentos de defesa dos consumidores, no entanto, não durou muito: “No final de dezembro de 2012, logo após o Natal e bem no meio dessa campanha que estamos fazendo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a decisão tomada pelo TRF em agosto. Então, caiu a decisão e voltou a valer o 1%, conforme o decreto presidencial de 2003”, relata o pesquisador do Idec.

Curiosamente, a indicação da presença de qualquer percentual de transgênicos nas embalagens dos produtos está prevista em outro Projeto de Lei que, no entanto, merece igualmente o repúdio das organizações do movimento socioambientalista. De autoria do deputado federal Cândido Vacarezza (PT-SP), o PL 5.575, apresentado em 2009 e que aguarda a sua apreciação por uma comissão especial da Câmara, é repudiado pelos ambientalistas porque prevê também, atendendo a um anseio das empresas, o fim da existência de qualquer rótulo ou símbolo indicativo de transgênicos nas embalagens. Isso sem falar que o PL 5.575/09 traz outro item sobre a liberação do cultivo de plantas geneticamente modificadas com estruturas reprodutivas estéreis, conhecidas como sementes suicidas ou terminator.

Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o Código de Defesa do Consumidor


Fiscalização
“Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o artigo VI, nos incisos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor”, diz Amaral. O Idec faz outro alerta aos consumidores: “Aguardamos até hoje a realização de Estudos de Impacto Ambiental para garantir se o consumo de transgênicos é seguro, pois, teoricamente, os produtos com ingredientes transgênicos não deveriam estar no mercado se não há clareza se são seguros ou não para serem consumidos e também produzidos. Nossa preocupação é que, além da questão da rotulagem, é preciso garantir alternativas ao consumidor. Até porque senão daqui a pouco todos os produtos terão o ‘T’ e aí não teremos mais escolha. Se quisermos falar em consumo sustentável e em alimentação saudável, temos de falar em alternativas que sejam acessíveis ao consumidor”, diz.

Delegada no Brasil à responsabilidade de uma série de órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, os Procons e as vigilâncias sanitárias estaduais, a fiscalização da rotulagem de produtos transgênicos, ainda assim, continua sofrível no país, segundo o Idec: “Fizemos uma pesquisa no período de festas juninas para avaliar os produtos à base de milho transgênico que teriam essa informação. Descobrimos que há uma série de marcas que não está com a rotulagem de transgênicas adequada. A maior parte delas não tinha a presença do símbolo com o ‘T’ nem trazia a informação ‘contém transgênicos’ escrita por extenso abaixo do símbolo. Quase nunca estava presente também a informação sobre qual era exatamente a espécie doadora do gene adicionado àquele milho e que estava causando a transgenia daquele alimento”, diz Amaral.

O pesquisador do Idec diz que ainda falta muito para que a rotulagem de produtos que contêm ingredientes transgênicos possa ser considerada satisfatória no Brasil: “Não basta ter o símbolo com o ‘T’ na embalagem, pois é apenas uma forma de fazer o consumidor identificar com facilidade se há transgênicos e reconhecer aquele produto rapidamente. O resultado da pesquisa nas festas juninas dispara o alarme de que falta fiscalizar e cobrar para que esses produtos tenham realmente a rotulagem garantida”.

Outro tipo muito importante de fiscalização – a feita pelo próprio consumidor – também deixa a desejar no Brasil, apesar de existirem inúmeras pesquisas de opinião indicando que as pessoas querem saber se o alimento consumido contém ou não ingredientes transgênicos: “O Idec fez uma enquete para saber se a pessoa já encontrou na embalagem de alimentos à base de milho alguma indicação sobre a presença de ingredientes transgênicos. O que se evidenciou é que poucas pessoas veem o ‘T’ na embalagem e também as informações escritas sobre os ingredientes, já que 56% dos entrevistados não viu essa indicação. Mas, o mais interessante é que 40% desses respondentes falam que, sim, já viram o triângulo amarelo com o ‘T’ indicando que aquele produto contém transgênicos. Isso é rapidamente assimilado, mas só 5% leram as informações complementares”, diz Amaral.

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Por Maurício Thuswohl

Foco de toda a polêmica que contrapõe defensores e adversários dos transgênicos desde o início de sua comercialização mundial há 17 anos, os potenciais riscos trazidos pelos alimentos geneticamente modificados à saúde humana, ao meio ambiente e à diversidade alimentar permanecem insatisfatoriamente esclarecidos e ainda são objetos de divergência entre cientistas, empresas do setor de biotecnologia, governos nacionais e organizações multilaterais. Quando se fala em transgênicos, em que pese a maciça propaganda favorável patrocinada pelas empresas detentoras da tecnologia, ainda são muitas as vozes que evocam o Princípio da Precaução (um dos pilares do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, firmado no âmbito da ONU) e alertam sobre o perigo de ameaças como o aumento da incidência de doenças, as contaminações de cultivos convencionais e de áreas de proteção ambiental, a expansão do uso de agrotóxicos e o controle monopolizado de sementes e técnicas de produção.

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No que diz respeito à saúde humana, entidades multilaterais de peso como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) afirmam não haver comprovação de que os produtos transgênicos comercializados até hoje façam mal. Entretanto, organizações representativas da sociedade civil que atuam contra a disseminação dos cultivos geneticamente modificados criticam o pouco rigor dos testes de biossegurança – muitos, patrocinados pelas próprias empresas que atuam no setor de transgenia – realizados na maioria dos países e se apoiam em estudos independentes publicados recentemente para afirmar que uma alimentação à base de transgênicos pode favorecer o aparecimento de tumores e outras anomalias.

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Prazos de pesquisa curtos
A pouca transparência e os métodos utilizados nos testes de biossegurança são criticados pelo movimento socioambientalista: “A questão dos riscos está ficando mais evidente, pois alguns cientistas independentes resolveram enfrentar as leis que protegem as empresas de transgenia de qualquer exame de seus produtos sem sua autorização. Esses pesquisadores adotaram procedimentos cientificamente rigorosos para avaliar os riscos para a saúde, mas, sobretudo, passaram a avaliar os possíveis impactos por prazos mais longos do que aqueles usados nos testes de segurança das empresas. Nestes últimos, os prazos nunca foram superiores a três meses e, frequentemente, são ainda mais curtos. Curiosamente, todos os problemas (tumores, deformações de órgãos etc.) começam a aparecer a partir do quarto mês de testes”, diz Jean Marc von der Weid, dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos.

A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado


Ratos com câncer

Professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em biossegurança, Paulo Brack aponta a contaminação das lavouras convencionais como outro fator de risco trazido pelos transgênicos: “Mesmo que o agricultor não queira, a proximidade com cultivos transgênicos traz poluição genética e a contaminação de culturas convencionais. É quase inviável plantar hoje sementes que não sejam transgênicas, pois a contaminação já está acontecendo”, diz. Brack ressalta que a contaminação “faz parte do processo” de domínio levado a cabo pelas empresas de transgenia: “A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado”.

Como contraponto aos estudos bancados pelas empresas, Jean Marc cita os testes sobre o milho transgênico da Monsanto realizados com ratos durante dois anos pelo cientista francês Gilles Seralini: “O estudo produz resultados arrasadores, inclusive com algumas fotos assustadoras. Apesar do bombardeio de cientistas pró-transgenia, muitos deles empregados diretos ou indiretos das empresas, Seralini respondeu a todas as objeções e cobrou dos críticos que usassem o mesmo rigor para os testes mais do que superficiais que são feitos pelas próprias empresas”, diz o ambientalista.

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

A situação é semelhante no Brasil, avalia Jean Marc: “Essa observação sobre o rigor dos testes vale também para os nossos cientistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que competem com os mais subservientes no seu afã em servir às empresas. Um dia ainda vão pagar por sua irresponsabilidade, assim como os cientistas que por décadas defenderam a inocuidade dos cigarros acabaram processados (alguns pelo menos) por sua má fé”.

A equipe coordenada pelo professor Seralini, que trabalha na Universidade de Caen, na França, publicou em setembro do ano passado um estudo sobre o milho transgênico NK603, desenvolvido pela Monsanto para ser resistente ao herbicida RoundUp (à base de glifosato), também fabricado pela empresa transnacional, ambos presentes em 80% dos transgênicos alimentícios plantados em todo o mundo. Realizado com 200 ratos de laboratório, o estudo revelou que o consumo contínuo tanto do milho transgênico quanto do glifosato levou-os a uma mortalidade mais alta e frequente que as registradas habitualmente na espécie.

Entre os distúrbios mais graves apresentados pelos roedores está o desenvolvimento de grandes tumores mamários na maioria das fêmeas, enquanto outras morreram em decorrência de problemas renais. Os machos, por sua vez, tiveram em sua maioria deficiências graves nos sistemas hepático e renal. Para a realização do teste, os ratos foram alimentados de três maneiras: apenas com milho transgênico, com milho transgênico tratado com RoundUp e com milho convencional tratado com RoundUp. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) dada aos ratos foram as mesmas consumidas pelos cidadãos dos Estados Unidos submetidos à dieta da Monsanto.

OMS
Apesar da publicação de estudos que comprovariam os malefícios dos alimentos transgênicos, o Departamento de Segurança Sanitária dos Alimentos da OMS garante que jamais foi identificado nenhum caso de efeito nocivo sobre a saúde humana resultante do seu consumo. Segundo um estudo publicado em parceria com a FAO em 2005, e acatado até hoje, “os efeitos potenciais diretos dos alimentos geneticamente modificados sobre a saúde são em geral comparáveis aos riscos conhecidos associados aos alimentos tradicionais” no que diz respeito ao seu potencial alergênico e a toxidade de seus constituintes, como também à qualidade nutricional do alimento e sua segurança sanitária.

O mesmo estudo, no entanto, fala também em efeitos indiretos: “Grupos de especialistas da FAO e da OMS examinaram o risco de que os genes sejam transferidos de um alimento geneticamente modificado a células mamárias ou bactérias da flora intestinal. Esses especialistas julgaram prudente considerar que fragmentos de DNA subsistem nas vias digestivas humanas e são suscetíveis de serem absorvidos pela flora intestinal ou pelas células somáticas que forram a parede do intestino”. O estudo conclui que “a inserção aleatória de genes em um OGM [organismo geneticamente modificado] poderia determinar instabilidades genéticas e fenotípicas, mas não há atualmente nenhuma prova científica indiscutível de tais efeitos”.

A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia


Duplo risco

Paulo Brack lamenta que não haja instituições multilaterais, ou mesmo nacionais, capazes de centralizar os testes sobre os riscos trazidos pelo consumo de organismos geneticamente modificados: “A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia. Estas não querem realizar trabalhos relativos aos transgênicos e aos seus produtos associados”. O professor da UFRGS diz acreditar que essa questão será mais transparente no futuro: “A ciência vai avançando. Há 30 ou 40 anos, quando se falava que o cigarro e a nicotina faziam mal à saúde, isso era motivo de chacota por parte das empresas e até mesmo de alguns setores das ciências. Hoje, no entanto, não se tem mais dúvidas quanto aos malefícios do cigarro”.

Segundo a organização ambientalista Greenpeace, os transgênicos representam um duplo risco: “Primeiro, por serem resistentes a agrotóxicos ou possuírem propriedades inseticidas, o uso contínuo de sementes transgênicas leva à maior resistência de ervas daninhas e insetos, o que por sua vez leva o agricultor a aumentar a dose de agrotóxicos ano a ano. Não por acaso, o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos, sendo mais da metade deles destinados à soja, primeira lavoura transgênica a ser inserida no país. Além disso, o uso de transgênicos representa um alto risco de perda de biodiversidade, tanto pelo aumento no uso de agroquímicos (que têm efeitos sobre a vida no solo e ao redor das lavouras), quanto pela contaminação de sementes naturais por transgênicas”, diz um documento da organização.

O Greenpeace também critica os testes de biossegurança realizados nos últimos anos: “Não existe consenso na comunidade científica sobre a segurança dos transgênicos para a saúde humana e o meio ambiente. Testes de médio e longo prazo em cobaias e em seres humanos não são feitos, e geralmente são repudiados pelas empresas de transgênicos”. A organização internacional considera a liberação de transgênicos “uma afronta ao Princípio da Precaução e uma aposta de quem não tem compromisso com o futuro da agricultura, do meio ambiente e do planeta”.

Além dos riscos à saúde e ao meio ambiente, há também os riscos sociais. Reunidas de 23 a 27 de maio em Bogotá (Colômbia), as 30 organizações de 12 países que compõem a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos (RALLT) enviaram a todo a equipe dirigente da ONU uma carta aberta na qual alertam sobre os impactos trazidos pela transgenia: “Longe de cumprir as promessas que as empresas fizeram para entrar na região, os transgênicos têm semeado desolação e morte na América Latina, onde esses cultivos alcançaram altos limites de expansão, ocupando o segundo lugar em área cultivada com transgênicos no mundo”.

“Genocídio”
Segundo a RALLT, a disseminação acelerada dos transgênicos “tem significado a contaminação genética da agrobiodiversidade, a destruição de ecossistemas naturais e a submissão da população a uma condição sanitária que, devido ao uso de pesticidas, se aproxima do genocídio”. Apenas nos países do Cone Sul, diz a carta aberta, a soja resistente ao glifosato cobre uma área de 475,7 mil km²: “Toda essa área é fumigada com um coquetel de agrotóxicos, afetando milhões de pessoas que vivem na zona de influência das fumigações de veneno associadas a cultivos transgênicos”. O documento diz ainda que “os impactos produzidos pelo modelo de sementes transgênicas alcançaram níveis tão grandes que este deixou de ser um problema que pode ser resolvido através de técnicas como a avaliação e manejo dos riscos para se converter em uma violação dos direitos humanos de populações inteiras”.

A carta alerta também para o perigo que o controle das sementes de milho pelas empresas do setor de biotecnologia representa para a diversidade alimentar e a soberania cultural dos países latino-americanos – sobretudo o México e os países da América Central – e pede que essa discussão deixe o âmbito restrito do Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU e passe a ser tratada também por outros setores do sistema das Nações Unidas, como, por exemplo, o Alto Comissariado para Direitos Humanos.

“As empresas que produzem sementes e agrotóxicos e comercializam alimentos transgênicos, juntamente com as elites locais e a cumplicidade dos governos de plantão, converteram a América Latina em plataforma dos cultivos transgênicos do mundo, criando um problema de violação sistemática e legalizada dos direitos humanos”, diz o documento, que foi enviado simultaneamente para Navanethem Pillay (alta comissária para Direitos Humanos), Olivier de Schutter (relator especial sobre Direito à Alimentação) e os brasileiros José Graziano (diretor da FAO) e Bráulio Dias (secretário-executivo da CDB), entre outras autoridades da ONU.

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