milho – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Transgênicos e agrotóxicos: uma combinação letal https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/transgenicos-e-agrotoxicos-uma-combinacao-letal-2/ Wed, 13 Nov 2013 09:31:27 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=59 Expansão dos organismos geneticamente modificados fez aumentar o uso de defensivos agrícolas. Diversos estudos os relacionam ao crescimento da incidência de câncer

Por Maurício Thuswohl

A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

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Não à toa, as lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil. Ao lado da cana-de-açúcar, essas três culturas representam, segundo a Anvisa, cerca de 80% das vendas do setor. A soja, com 40% do volume total de venenos agrícolas consumidos no país, mais uma vez reina absoluta, seguida pelo milho (15%) e pelo algodão (10%). De acordo com a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, somente Brasil e Argentina jogam em suas lavouras transgênicas cerca de 500 mil toneladas de agrotóxicos à base de glifosato a cada ano.

Segundo a Anvisa, 130 empresas atuam hoje no setor de agrotóxicos no Brasil, sendo que 96 estão instaladas no país. Somente as dez maiores empresas do setor, no entanto, foram responsáveis por 75% das vendas de agrotóxicos na última safra, dividindo entre si o mercado brasileiro de acordo com as categorias de produto. Os herbicidas representam 45% do total de agrotóxicos comercializados no país, seguidos por fungicidas (14%), inseticidas (12%) e outras categorias (29%). Quando comparadas as vendas por ingredientes ativos, o glifosato lidera com 29% do mercado brasileiro de venenos agrícolas, seguido pelo óleo mineral (7%), pela atrazina (5%) e pelo novo agrotóxico 2,4D (5%).

A gente já previa há uns anos atrás que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo

Brack alerta que a situação tende a piorar nos próximos meses: “Entre o fim de setembro e o início de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se debruçará sobre três eventos transgênicos de soja e milho adaptados ao uso do 2,4D, que é um dos componentes do agente laranja”, diz, antes de fazer uma comparação: “Sabemos que o glifosato é tóxico, mas ele é considerado pela Anvisa como sendo de toxicidade baixa. Agora, em relação ao 2,4D, a própria Anvisa reconhece se tratar de um produto altamente tóxico. Isso é um retrocesso violento”.“Entre os principais riscos trazidos pelos transgênicos está o aumento do uso de agrotóxicos”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Temos, nos últimos dez anos, um aumento de mais de 130% do uso de herbicidas e de 70% do uso de agrotóxicos, enquanto a expansão da área plantada foi bem menor do que isso. A gente já previa há uns anos que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo”, diz.

Segundo o professor da UFRGS, a comunidade científica engajada contra a proliferação indiscriminada de transgênicos e agrotóxicos e as organizações do movimento socioambientalista farão uma grande campanha para que os eventos transgênicos ligados ao veneno 2,4D não sejam aprovados pela CTNBio em outubro: “O uso de transgênicos e agrotóxicos vai aumentar ainda mais. A sociedade tem de se levantar contra isso, pois a nossa saúde está em risco”, diz Brack.

Sem redução
Dirigente da AS-PTA, Jean Marc Von der Weid chama atenção para a desmistificação de uma “propaganda enganosa” feita pelas empresas: “Apesar de a propaganda das empresas falar de redução do uso de agrotóxicos, isso só ocorreu nos EUA, nos três primeiros anos do emprego da tecnologia. Depois, como todos os cientistas independentes previram, as ervas tratadas com doses maciças de glifosato adquiriram resistência ao produto e hoje infestam agressivamente os campos de soja, milho e algodão resistentes ao glifosato, produzindo reduções de produtividade que chegam a 50% em casos mais extremos. A perda de eficiência das plantas transgênicas no controle de invasoras e pragas significou que os volumes de agrotóxicos foram aumentando para compensar esse efeito. Além disso, os agricultores tiveram de usar outros agrotóxicos mais agressivos no lugar dos que perdiam sua eficiência, como o glifosato, que está sendo substituído pelo 2,4D, vulgo agente laranja”, afirma.

Jean-Marc cita um exemplo de como a propaganda feita pelas empresas jamais se confirmou na prática: “O milho Bt, que mata uma lagarta cuja infestação no Brasil nunca foi importante antes do uso desse produto, teve desde o começo da sua utilização um problema de efeito colateral. As lagartas ‘mastigadoras’ morriam, mas os insetos ‘sugadores’ se multiplicavam como nunca antes e, no balanço geral, o resultado em termos de produtividade e gastos com os controles de pragas davam empate com os sistemas convencionais”, diz.

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Doenças
Um dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) relaciona com detalhes os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras: “Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição”, alerta o documento.

Há poucos estudos científicos sobre o impacto do uso dos transgênicos, pois a questão de conflito de interesses é grande

Paulo Brack, entretanto, ressalva que os riscos são mais do que conhecidos: “Existem vários trabalhos que comprovam não só a incidência de câncer, mas também de outras doenças. O próprio 2,4D, além de ter uma toxicidade elevada, é também um disruptor endócrino, ou seja, provoca alterações hormonais e pode causar problemas genéticos teratogênicos. Com ele, nós vamos ter mais risco de crianças nascerem defeituosas. No caso do glifosato, que é o mais utilizado, existem vários trabalhos mostrando que altera a divisão celular. Os trabalhos estão cada vez mais fortalecendo essa questão de que ele está relacionado ao surgimento de câncer”, diz.A falta de estudos sistemáticos e com abrangência nacional que possam comprovar a inter-relação entre transgênicos, agrotóxicos e câncer, no entanto, contribui para que a questão não seja enfrentada corretamente pelo poder público: “A questão dos transgênicos é bastante complexa em termos de impacto para a saúde humana. Há poucos estudos científicos sobre o impacto do seu uso, pois a questão de conflito de interesses é grande e, em geral, há pouco financiamento de estudos sobre esse tema”, diz Anelise Rizzolo, integrante da Comissão Executiva que elaborou o dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. Na opinião de Anelise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), “o Princípio da Precaução deve ser o critério utilizado enquanto não houver estudos suficientes que atestem sobre os reais impactos dos transgênicos na saúde”.

Outros países
Em outros países também já começam a aparecer denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Na cidade de Córdoba, na Argentina, um levantamento feito no Bairro Ituzaingó, onde existem centenas de residências ilhadas pelas lavouras de soja transgênica e expostas a banhos de agrotóxicos jogados por aviões, revelou que a incidência de câncer aumentava com a proximidade dos campos de soja. Até 2010 foram registrados naquela região 169 casos da doença, dos quais 32 resultaram em óbito.

Nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional do Câncer (NCI, na sigla em inglês) afirma que “toda a população dos EUA é exposta diariamente a numerosos produtos químicos agrícolas, muitos destes suspeitos de conterem propriedades cancerígenas ou atuarem como disruptores endócrinos”. Segundo o documento, “pesticidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas) aprovados para uso pela Agência Ambiental dos EUA [EPA, na sigla em inglês] contêm quase 900 ingredientes ativos, muitos dos quais tóxicos”.

O NCI alerta que “pesticidas, fertilizantes agrícolas e medicamentos de uso veterinário são importantes contribuintes para a poluição da água e, como resultado de processos químicos, formam subprodutos tóxicos nocivos à saúde humana quando suas substâncias entram na rede de abastecimento de água”. O perfil das vítimas se repete: “Agricultores e suas famílias, incluindo migrantes trabalhadores, sofrem maior risco com a exposição aos produtos agrícolas”, diz o estudo estadunidense.

A falta de testes exaustivos e conclusivos também é lamentada nos EUA: “Muitos dos solventes, agentes de enchimento e outros produtos químicos incluídos como ingredientes inertes em rótulos de pesticidas são também tóxicos, mas não são necessários testes quanto ao seu potencial para causar doenças crônicas, como o câncer. Os produtos químicos agrícolas muitas vezes são aplicados como misturas, por isso tem sido difícil distinguir claramente os riscos de câncer associado a seus agentes individuais”, diz o estudo do NCI.

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Pouca transparência marca estudos sobre riscos dos transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/pouca-transparencia-marca-estudos-sobre-riscos-dos-transgenicos-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/pouca-transparencia-marca-estudos-sobre-riscos-dos-transgenicos-2/#comments Tue, 12 Nov 2013 16:54:26 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=56 Ameaças à saúde humana, meio ambiente e diversidade alimentar ainda são objetos de divergência entre cientistas, empresas, governos nacionais e organizações multilaterais

Por Maurício Thuswohl

Foco de toda a polêmica que contrapõe defensores e adversários dos transgênicos desde o início de sua comercialização mundial há 17 anos, os potenciais riscos trazidos pelos alimentos geneticamente modificados à saúde humana, ao meio ambiente e à diversidade alimentar permanecem insatisfatoriamente esclarecidos e ainda são objetos de divergência entre cientistas, empresas do setor de biotecnologia, governos nacionais e organizações multilaterais. Quando se fala em transgênicos, em que pese a maciça propaganda favorável patrocinada pelas empresas detentoras da tecnologia, ainda são muitas as vozes que evocam o Princípio da Precaução (um dos pilares do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, firmado no âmbito da ONU) e alertam sobre o perigo de ameaças como o aumento da incidência de doenças, as contaminações de cultivos convencionais e de áreas de proteção ambiental, a expansão do uso de agrotóxicos e o controle monopolizado de sementes e técnicas de produção.

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No que diz respeito à saúde humana, entidades multilaterais de peso como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) afirmam não haver comprovação de que os produtos transgênicos comercializados até hoje façam mal. Entretanto, organizações representativas da sociedade civil que atuam contra a disseminação dos cultivos geneticamente modificados criticam o pouco rigor dos testes de biossegurança – muitos, patrocinados pelas próprias empresas que atuam no setor de transgenia – realizados na maioria dos países e se apoiam em estudos independentes publicados recentemente para afirmar que uma alimentação à base de transgênicos pode favorecer o aparecimento de tumores e outras anomalias.

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Prazos de pesquisa curtos
A pouca transparência e os métodos utilizados nos testes de biossegurança são criticados pelo movimento socioambientalista: “A questão dos riscos está ficando mais evidente, pois alguns cientistas independentes resolveram enfrentar as leis que protegem as empresas de transgenia de qualquer exame de seus produtos sem sua autorização. Esses pesquisadores adotaram procedimentos cientificamente rigorosos para avaliar os riscos para a saúde, mas, sobretudo, passaram a avaliar os possíveis impactos por prazos mais longos do que aqueles usados nos testes de segurança das empresas. Nestes últimos, os prazos nunca foram superiores a três meses e, frequentemente, são ainda mais curtos. Curiosamente, todos os problemas (tumores, deformações de órgãos etc.) começam a aparecer a partir do quarto mês de testes”, diz Jean Marc von der Weid, dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos.

A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado


Ratos com câncer

Professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em biossegurança, Paulo Brack aponta a contaminação das lavouras convencionais como outro fator de risco trazido pelos transgênicos: “Mesmo que o agricultor não queira, a proximidade com cultivos transgênicos traz poluição genética e a contaminação de culturas convencionais. É quase inviável plantar hoje sementes que não sejam transgênicas, pois a contaminação já está acontecendo”, diz. Brack ressalta que a contaminação “faz parte do processo” de domínio levado a cabo pelas empresas de transgenia: “A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado”.

Como contraponto aos estudos bancados pelas empresas, Jean Marc cita os testes sobre o milho transgênico da Monsanto realizados com ratos durante dois anos pelo cientista francês Gilles Seralini: “O estudo produz resultados arrasadores, inclusive com algumas fotos assustadoras. Apesar do bombardeio de cientistas pró-transgenia, muitos deles empregados diretos ou indiretos das empresas, Seralini respondeu a todas as objeções e cobrou dos críticos que usassem o mesmo rigor para os testes mais do que superficiais que são feitos pelas próprias empresas”, diz o ambientalista.

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

A situação é semelhante no Brasil, avalia Jean Marc: “Essa observação sobre o rigor dos testes vale também para os nossos cientistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que competem com os mais subservientes no seu afã em servir às empresas. Um dia ainda vão pagar por sua irresponsabilidade, assim como os cientistas que por décadas defenderam a inocuidade dos cigarros acabaram processados (alguns pelo menos) por sua má fé”.

A equipe coordenada pelo professor Seralini, que trabalha na Universidade de Caen, na França, publicou em setembro do ano passado um estudo sobre o milho transgênico NK603, desenvolvido pela Monsanto para ser resistente ao herbicida RoundUp (à base de glifosato), também fabricado pela empresa transnacional, ambos presentes em 80% dos transgênicos alimentícios plantados em todo o mundo. Realizado com 200 ratos de laboratório, o estudo revelou que o consumo contínuo tanto do milho transgênico quanto do glifosato levou-os a uma mortalidade mais alta e frequente que as registradas habitualmente na espécie.

Entre os distúrbios mais graves apresentados pelos roedores está o desenvolvimento de grandes tumores mamários na maioria das fêmeas, enquanto outras morreram em decorrência de problemas renais. Os machos, por sua vez, tiveram em sua maioria deficiências graves nos sistemas hepático e renal. Para a realização do teste, os ratos foram alimentados de três maneiras: apenas com milho transgênico, com milho transgênico tratado com RoundUp e com milho convencional tratado com RoundUp. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) dada aos ratos foram as mesmas consumidas pelos cidadãos dos Estados Unidos submetidos à dieta da Monsanto.

OMS
Apesar da publicação de estudos que comprovariam os malefícios dos alimentos transgênicos, o Departamento de Segurança Sanitária dos Alimentos da OMS garante que jamais foi identificado nenhum caso de efeito nocivo sobre a saúde humana resultante do seu consumo. Segundo um estudo publicado em parceria com a FAO em 2005, e acatado até hoje, “os efeitos potenciais diretos dos alimentos geneticamente modificados sobre a saúde são em geral comparáveis aos riscos conhecidos associados aos alimentos tradicionais” no que diz respeito ao seu potencial alergênico e a toxidade de seus constituintes, como também à qualidade nutricional do alimento e sua segurança sanitária.

O mesmo estudo, no entanto, fala também em efeitos indiretos: “Grupos de especialistas da FAO e da OMS examinaram o risco de que os genes sejam transferidos de um alimento geneticamente modificado a células mamárias ou bactérias da flora intestinal. Esses especialistas julgaram prudente considerar que fragmentos de DNA subsistem nas vias digestivas humanas e são suscetíveis de serem absorvidos pela flora intestinal ou pelas células somáticas que forram a parede do intestino”. O estudo conclui que “a inserção aleatória de genes em um OGM [organismo geneticamente modificado] poderia determinar instabilidades genéticas e fenotípicas, mas não há atualmente nenhuma prova científica indiscutível de tais efeitos”.

A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia


Duplo risco

Paulo Brack lamenta que não haja instituições multilaterais, ou mesmo nacionais, capazes de centralizar os testes sobre os riscos trazidos pelo consumo de organismos geneticamente modificados: “A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia. Estas não querem realizar trabalhos relativos aos transgênicos e aos seus produtos associados”. O professor da UFRGS diz acreditar que essa questão será mais transparente no futuro: “A ciência vai avançando. Há 30 ou 40 anos, quando se falava que o cigarro e a nicotina faziam mal à saúde, isso era motivo de chacota por parte das empresas e até mesmo de alguns setores das ciências. Hoje, no entanto, não se tem mais dúvidas quanto aos malefícios do cigarro”.

Segundo a organização ambientalista Greenpeace, os transgênicos representam um duplo risco: “Primeiro, por serem resistentes a agrotóxicos ou possuírem propriedades inseticidas, o uso contínuo de sementes transgênicas leva à maior resistência de ervas daninhas e insetos, o que por sua vez leva o agricultor a aumentar a dose de agrotóxicos ano a ano. Não por acaso, o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos, sendo mais da metade deles destinados à soja, primeira lavoura transgênica a ser inserida no país. Além disso, o uso de transgênicos representa um alto risco de perda de biodiversidade, tanto pelo aumento no uso de agroquímicos (que têm efeitos sobre a vida no solo e ao redor das lavouras), quanto pela contaminação de sementes naturais por transgênicas”, diz um documento da organização.

O Greenpeace também critica os testes de biossegurança realizados nos últimos anos: “Não existe consenso na comunidade científica sobre a segurança dos transgênicos para a saúde humana e o meio ambiente. Testes de médio e longo prazo em cobaias e em seres humanos não são feitos, e geralmente são repudiados pelas empresas de transgênicos”. A organização internacional considera a liberação de transgênicos “uma afronta ao Princípio da Precaução e uma aposta de quem não tem compromisso com o futuro da agricultura, do meio ambiente e do planeta”.

Além dos riscos à saúde e ao meio ambiente, há também os riscos sociais. Reunidas de 23 a 27 de maio em Bogotá (Colômbia), as 30 organizações de 12 países que compõem a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos (RALLT) enviaram a todo a equipe dirigente da ONU uma carta aberta na qual alertam sobre os impactos trazidos pela transgenia: “Longe de cumprir as promessas que as empresas fizeram para entrar na região, os transgênicos têm semeado desolação e morte na América Latina, onde esses cultivos alcançaram altos limites de expansão, ocupando o segundo lugar em área cultivada com transgênicos no mundo”.

“Genocídio”
Segundo a RALLT, a disseminação acelerada dos transgênicos “tem significado a contaminação genética da agrobiodiversidade, a destruição de ecossistemas naturais e a submissão da população a uma condição sanitária que, devido ao uso de pesticidas, se aproxima do genocídio”. Apenas nos países do Cone Sul, diz a carta aberta, a soja resistente ao glifosato cobre uma área de 475,7 mil km²: “Toda essa área é fumigada com um coquetel de agrotóxicos, afetando milhões de pessoas que vivem na zona de influência das fumigações de veneno associadas a cultivos transgênicos”. O documento diz ainda que “os impactos produzidos pelo modelo de sementes transgênicas alcançaram níveis tão grandes que este deixou de ser um problema que pode ser resolvido através de técnicas como a avaliação e manejo dos riscos para se converter em uma violação dos direitos humanos de populações inteiras”.

A carta alerta também para o perigo que o controle das sementes de milho pelas empresas do setor de biotecnologia representa para a diversidade alimentar e a soberania cultural dos países latino-americanos – sobretudo o México e os países da América Central – e pede que essa discussão deixe o âmbito restrito do Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU e passe a ser tratada também por outros setores do sistema das Nações Unidas, como, por exemplo, o Alto Comissariado para Direitos Humanos.

“As empresas que produzem sementes e agrotóxicos e comercializam alimentos transgênicos, juntamente com as elites locais e a cumplicidade dos governos de plantão, converteram a América Latina em plataforma dos cultivos transgênicos do mundo, criando um problema de violação sistemática e legalizada dos direitos humanos”, diz o documento, que foi enviado simultaneamente para Navanethem Pillay (alta comissária para Direitos Humanos), Olivier de Schutter (relator especial sobre Direito à Alimentação) e os brasileiros José Graziano (diretor da FAO) e Bráulio Dias (secretário-executivo da CDB), entre outras autoridades da ONU.

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