ministério do trabalho e emprego – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/embrapa-ja-tem-alimentos-transgenicos-liberados-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/embrapa-ja-tem-alimentos-transgenicos-liberados-2/#comments Fri, 15 Nov 2013 11:40:40 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=67 Feijão geneticamente modificado pode garantir segurança alimentar, diz a empresa estatal, mas agricultores familiares alertam que sementes crioulas podem ser prejudicadas

Por Maurício Thuswohl

Desenvolver tecnologia nacional para a produção de plantas transgênicas, de modo a reduzir a dependência que os produtores brasileiros têm hoje das empresas transnacionais que controlam sementes e patentes, e buscar a inovação tecnológica em transgenia que não esteja voltada exclusivamente para o aumento da produtividade e a geração de lucros, criando plantas e alimentos modificados voltados ao bem-estar da população. Esse é o objetivo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), segundo o próprio órgão.

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Subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa desenvolve atualmente pesquisas e projetos sobre transgênicos de produtos como algodão, soja, milho, cana-de-açúcar, tomate, mamão e hortaliças, além de estudar novas tecnologias que podem dentro de alguns anos surtir um impacto positivo na redução dos riscos relativos ao consumo de alimentos geneticamente modificados.

Mas tais pesquisas sofrem críticas de pequenos agricultores brasileiros, especialmente os articulados em torno da Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), rede que atua na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida do Nordeste brasileiro. Para eles, os estudos podem comprometer seriamente a variedade genética das sementes crioulas desenvolvidas pela agricultura familiar.

A Embrapa já teve dois pedidos de plantio de transgênicos para fins comerciais aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O primeiro deles, aprovado em 2009, é relativo à soja transgênica Cultivance, desenvolvida em parceria com a empresa alemã Basf para tolerância aos herbicidas da classe das imidazolinonas. O projeto mais importante da Embrapa, no entanto, é o feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente à praga do mosaico dourado, que foi desenvolvido exclusivamente pela empresa brasileira, aprovado pela CTNBio em 2011 e já está na fase de testes de campo, com previsão de chegar à mesa do consumidor em dois anos.

Cultivo de feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente ao vírus do mosaico dourado (Foto: Francisco Aragão/Embrapa)

Cultivo de feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente ao vírus do mosaico dourado (Foto: Francisco Aragão/Embrapa)

Feijão
Responsável pelo Laboratório de Genética da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o cientista Francisco Aragão lembra que, fora dos Estados Unidos, o feijão da Embrapa é a segunda planta transgênica desenvolvida por uma instituição pública em todo o mundo: “O feijão foi desenvolvido para resolver um problema que os programas de melhoramento tentam solucionar pelos métodos convencionais há mais de 40 anos: obter uma planta que seja imune ao mosaico dourado. Essa doença é causada por um vírus, e tem sido muito difícil encontrar nos bancos de germoplasma uma resistência a ele que seja possível transferir para as variedades comerciais de feijão. Nós resolvemos usar a engenharia genética para tentar solucionar esse problema, e foi gerada uma planta imune ao vírus do mosaico dourado”, conta.

Nós resolvemos usar a engenharia genética para tentar solucionar esse problema, e foi gerada uma planta imune ao vírus do mosaico dourado

 

Aragão ressalta o fato de o feijão ser um alimento simbólico para o povo brasileiro e de que um eventual aumento de sua produtividade em território nacional teria impacto direto sobre o bem-estar da população: “O primeiro pilar da segurança alimentar é a disponibilidade de comida, e o segundo é a condição de ter acesso a essa comida. Os programas do governo visam resolver os problemas do segundo pilar, mas este depende também de preço. Se o alimento estiver caro, não há Bolsa-Família que resolva. O Brasil é hoje importador de feijão, e o preço do feijão a cada ano tem picos e dispara a níveis intoleráveis. Este ano, em alguns lugares, variou entre R$ 7 e R$ 10 o quilo, um valor completamente fora da realidade das pessoas de baixa renda. Isso gera insegurança alimentar”, diz.

Críticas
Os agricultores familiares do Nordeste, porém, questionam duramente a iniciativa da Embrapa. Para eles, o feijão geneticamente modificado representa uma ameaça a suas variedades crioulas, que se adaptam a cada situação de clima e solo e não têm custo de produção. Na opinião dos pequenos produtores, a empresa estatal não poderia basear suas pesquisas na produtividade e deveria focar seus estudos justamente nas sementes crioulas, ajudando a conservar esse patrimônio genético.

Em julho de 2011, agricultores reunidos em Maceió (AL) para o II Encontro Nacional de Sementes divulgaram uma moção contra a liberação do feijão transgênico Embrapa 5.1, possibilidade que estava sendo analisada pela CTNBio. No documento, eles classificavam a provável liberação “uma grave ameaça à segurança e à soberania alimentar e à agrobiodiversidade”. “Reafirmamos que não precisamos dessa tecnologia para seguir produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, como demonstram milhares de experiências desenvolvidas por todo o semiárido brasileiro. Em nossos bancos e casas de sementes temos mantido centenas de variedades de feijão, adaptadas às nossas condições climáticas e às necessidades de nossas famílias, as sementes da resistência e da paixão”, diz o texto.

Reafirmamos que não precisamos dessa tecnologia para seguir produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos

 

De acordo com o calendário estabelecido pela Embrapa, no entanto, o feijão transgênico poderá estar no prato dos brasileiros já em 2015, assim que sejam concluídas todas as etapas necessárias à sua completa liberação e produção em escala: “Depois de o feijão ter sido aprovado pela CTNBio em 2011, foi preciso registrar as variedades. Aí, é preciso seguir as normas do Ministério da Agricultura, que exige vários ensaios nacionais para análise agronômica das novas variedades. Esses ensaios começaram em 2012, e em 2013 se completará o segundo ano de ensaios. Provavelmente, em 2014 deveremos obter as sementes, já que são várias fases de testes com sementes. Nós temos a expectativa de que em 2015 o feijão transgênico passe a ser cultivado”, diz o técnico da Embrapa.De acordo com a moção, não haviam sido realizados estudos de avaliação de risco nos biomas das regiões Norte e Nordeste, locais de grande diversidade de sementes crioulas de feijão, nem pesquisas suficientes sobre os riscos de contaminação genética. “Sabemos que a própria Embrapa possui pesquisas com agricultura orgânica, que demonstram a possibilidade de combate ao vírus do mosaico dourado, transmitido pela mosca branca, sem que seja necessário o uso de agrotóxicos e de transgenia.”

Novos transgênicos
Para os próximos anos, a Embrapa tem a expectativa de dar entrada em vários outros pedidos de liberação para plantio de transgênicos junto à CTNBio. Segundo Francisco Aragão, a empresa tem trabalhado com “as principais culturas que interessam ao Brasil” em suas pesquisas: “Algodão, soja, algumas hortaliças, cana e milho. Essas são as principais culturas com as quais a Embrapa tem trabalhos mais avançados. Provavelmente, deverá haver interesse em outras plantas, como o trigo, por exemplo, e também em fruteiras como o mamão. Mas ainda não existe nenhuma dessas tecnologias sendo avaliada do ponto de vista da biossegurança, que seria o passo final para um pedido de liberação comercial”, diz. Aragão ressalta que existem algumas tecnologias já mais desenvolvidas pela Embrapa: “Foram geradas duas alfaces: uma que tem 15 vezes mais ácido fólico que uma alface convencional e outra que produz uma proteína que pode ser usada em um kit para diagnosticar o vírus da dengue”.

Segundo ele, a possibilidade de mirar o benefício do consumidor, e não somente o aumento da produtividade e o lucro, guarda o potencial de transformar, ao menos em parte, o mercado de transgênicos: “É evidente que o foco ainda é no produtor. Mas, hoje em dia, por causa da engenharia genética, o desenvolvimento de transgênicos que tragam benefícios aos consumidores pouco a pouco vem avançando em paralelo para desenvolver estratégias para o consumidor e até utilizar as plantas como veículo para a produção de fármacos e de vitaminas das quais a população é carente”, diz Aragão.

As pesquisas nesse sentido, diz o técnico da Embrapa, se multiplicam: “Já existem hoje vários produtos com proteínas, utilizadas principalmente em diagnose, que são produzidas em plantas. Também já estão sendo realizados exames clínicos para analisar produtos farmacêuticos produzidos em plantas. Já começam a surgir vários exemplos de plantas transgênicas biofortificadas com vitaminas como, por exemplo, o arroz dourado, que é rico em vitamina A. Existem também outras plantas, que provavelmente irão surgir, com maior teor de ferro, zinco etc.”, aposta.

A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia desenvolve outra tecnologia que deve causar impacto. Patenteada em maio deste ano, a tecnologia promete eliminar a manifestação da transgenia em frutos e sementes, o que de acordo com a empresa praticamente eliminaria também seus riscos na alimentação humana, já que a planta continua sendo transgênica, mas a parte consumida na alimentação não. Outra vantagem dos novos transgênicos pesquisados seria o fato de preservarem fungos e parasitas que são benéficos à planta, ao contrário da tecnologia utilizada atualmente, que elimina igualmente os organismos benéficos e os maléficos. Inicialmente testada em variedades de soja, cana-de-açúcar e tomate, a nova tecnologia deverá chegar ao mercado em 2020, segundo a expectativa da Embrapa.

Parcerias
Para desenvolver seus trabalhos sobre transgênicos, a Embrapa aposta também nas parcerias firmadas no Brasil e no exterior. A empresa tem como parceiros brasileiros a Fundação Oswaldo Cruz, para o desenvolvimento de fitoterápicos, entre outros, e a Universidade de Campinas (Unicamp), que abrigará em seu Parque Tecnológico uma unidade mista de pesquisa para desenvolver trabalhos sobre cultivares transgênicos de grande interesse comercial, principalmente o milho: “Com as parcerias, a Embrapa busca gerar tecnologias que sejam interessantes para a Embrapa e para o Brasil”, diz Francisco Aragão.

Segundo ele, existem acordos firmados com empresas privadas e com universidades do Brasil e do exterior: “A Embrapa tem um leque muito grande de parcerias, principalmente com instituições públicas e suas correlatas no Japão, Estados Unidos e Europa. Mais recentemente, tem gerado parcerias até com instituições africanas e latino-americanas. São acordos diversos e para distintos interesses”, diz.

Hoje existe um interesse cada vez maior em gerar plantas tolerantes ao calor, à seca e ao solo salino, muito comuns na Região Nordeste

 

Em sua maioria, destaca Aragão, as linhas de pesquisa desenvolvidas pela Embrapa junto às universidades brasileiras buscam criar transgênicos que possam colaborar para solucionar problemas nacionais: “Hoje existe um interesse cada vez maior em gerar plantas tolerantes ao calor, à seca e ao solo salino, muito comuns na Região Nordeste. A perspectiva é que esses problemas fiquem cada vez mais graves à medida que será preciso manter ou até aumentar a produtividade, mas usando cada vez menos água, cuja escassez já é um fator limitante para a agricultura. Para cada metro cúbico de água gasto por pessoa nos ambientes urbanos, gasta-se dezenas de metros cúbicos na agricultura. Os transgênicos podem mudar essa realidade no futuro”, diz.

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Por Maurício Thuswohl

A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

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Não à toa, as lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil. Ao lado da cana-de-açúcar, essas três culturas representam, segundo a Anvisa, cerca de 80% das vendas do setor. A soja, com 40% do volume total de venenos agrícolas consumidos no país, mais uma vez reina absoluta, seguida pelo milho (15%) e pelo algodão (10%). De acordo com a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, somente Brasil e Argentina jogam em suas lavouras transgênicas cerca de 500 mil toneladas de agrotóxicos à base de glifosato a cada ano.

Segundo a Anvisa, 130 empresas atuam hoje no setor de agrotóxicos no Brasil, sendo que 96 estão instaladas no país. Somente as dez maiores empresas do setor, no entanto, foram responsáveis por 75% das vendas de agrotóxicos na última safra, dividindo entre si o mercado brasileiro de acordo com as categorias de produto. Os herbicidas representam 45% do total de agrotóxicos comercializados no país, seguidos por fungicidas (14%), inseticidas (12%) e outras categorias (29%). Quando comparadas as vendas por ingredientes ativos, o glifosato lidera com 29% do mercado brasileiro de venenos agrícolas, seguido pelo óleo mineral (7%), pela atrazina (5%) e pelo novo agrotóxico 2,4D (5%).

A gente já previa há uns anos atrás que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo

Brack alerta que a situação tende a piorar nos próximos meses: “Entre o fim de setembro e o início de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se debruçará sobre três eventos transgênicos de soja e milho adaptados ao uso do 2,4D, que é um dos componentes do agente laranja”, diz, antes de fazer uma comparação: “Sabemos que o glifosato é tóxico, mas ele é considerado pela Anvisa como sendo de toxicidade baixa. Agora, em relação ao 2,4D, a própria Anvisa reconhece se tratar de um produto altamente tóxico. Isso é um retrocesso violento”.“Entre os principais riscos trazidos pelos transgênicos está o aumento do uso de agrotóxicos”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Temos, nos últimos dez anos, um aumento de mais de 130% do uso de herbicidas e de 70% do uso de agrotóxicos, enquanto a expansão da área plantada foi bem menor do que isso. A gente já previa há uns anos que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo”, diz.

Segundo o professor da UFRGS, a comunidade científica engajada contra a proliferação indiscriminada de transgênicos e agrotóxicos e as organizações do movimento socioambientalista farão uma grande campanha para que os eventos transgênicos ligados ao veneno 2,4D não sejam aprovados pela CTNBio em outubro: “O uso de transgênicos e agrotóxicos vai aumentar ainda mais. A sociedade tem de se levantar contra isso, pois a nossa saúde está em risco”, diz Brack.

Sem redução
Dirigente da AS-PTA, Jean Marc Von der Weid chama atenção para a desmistificação de uma “propaganda enganosa” feita pelas empresas: “Apesar de a propaganda das empresas falar de redução do uso de agrotóxicos, isso só ocorreu nos EUA, nos três primeiros anos do emprego da tecnologia. Depois, como todos os cientistas independentes previram, as ervas tratadas com doses maciças de glifosato adquiriram resistência ao produto e hoje infestam agressivamente os campos de soja, milho e algodão resistentes ao glifosato, produzindo reduções de produtividade que chegam a 50% em casos mais extremos. A perda de eficiência das plantas transgênicas no controle de invasoras e pragas significou que os volumes de agrotóxicos foram aumentando para compensar esse efeito. Além disso, os agricultores tiveram de usar outros agrotóxicos mais agressivos no lugar dos que perdiam sua eficiência, como o glifosato, que está sendo substituído pelo 2,4D, vulgo agente laranja”, afirma.

Jean-Marc cita um exemplo de como a propaganda feita pelas empresas jamais se confirmou na prática: “O milho Bt, que mata uma lagarta cuja infestação no Brasil nunca foi importante antes do uso desse produto, teve desde o começo da sua utilização um problema de efeito colateral. As lagartas ‘mastigadoras’ morriam, mas os insetos ‘sugadores’ se multiplicavam como nunca antes e, no balanço geral, o resultado em termos de produtividade e gastos com os controles de pragas davam empate com os sistemas convencionais”, diz.

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Doenças
Um dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) relaciona com detalhes os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras: “Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição”, alerta o documento.

Há poucos estudos científicos sobre o impacto do uso dos transgênicos, pois a questão de conflito de interesses é grande

Paulo Brack, entretanto, ressalva que os riscos são mais do que conhecidos: “Existem vários trabalhos que comprovam não só a incidência de câncer, mas também de outras doenças. O próprio 2,4D, além de ter uma toxicidade elevada, é também um disruptor endócrino, ou seja, provoca alterações hormonais e pode causar problemas genéticos teratogênicos. Com ele, nós vamos ter mais risco de crianças nascerem defeituosas. No caso do glifosato, que é o mais utilizado, existem vários trabalhos mostrando que altera a divisão celular. Os trabalhos estão cada vez mais fortalecendo essa questão de que ele está relacionado ao surgimento de câncer”, diz.A falta de estudos sistemáticos e com abrangência nacional que possam comprovar a inter-relação entre transgênicos, agrotóxicos e câncer, no entanto, contribui para que a questão não seja enfrentada corretamente pelo poder público: “A questão dos transgênicos é bastante complexa em termos de impacto para a saúde humana. Há poucos estudos científicos sobre o impacto do seu uso, pois a questão de conflito de interesses é grande e, em geral, há pouco financiamento de estudos sobre esse tema”, diz Anelise Rizzolo, integrante da Comissão Executiva que elaborou o dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. Na opinião de Anelise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), “o Princípio da Precaução deve ser o critério utilizado enquanto não houver estudos suficientes que atestem sobre os reais impactos dos transgênicos na saúde”.

Outros países
Em outros países também já começam a aparecer denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Na cidade de Córdoba, na Argentina, um levantamento feito no Bairro Ituzaingó, onde existem centenas de residências ilhadas pelas lavouras de soja transgênica e expostas a banhos de agrotóxicos jogados por aviões, revelou que a incidência de câncer aumentava com a proximidade dos campos de soja. Até 2010 foram registrados naquela região 169 casos da doença, dos quais 32 resultaram em óbito.

Nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional do Câncer (NCI, na sigla em inglês) afirma que “toda a população dos EUA é exposta diariamente a numerosos produtos químicos agrícolas, muitos destes suspeitos de conterem propriedades cancerígenas ou atuarem como disruptores endócrinos”. Segundo o documento, “pesticidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas) aprovados para uso pela Agência Ambiental dos EUA [EPA, na sigla em inglês] contêm quase 900 ingredientes ativos, muitos dos quais tóxicos”.

O NCI alerta que “pesticidas, fertilizantes agrícolas e medicamentos de uso veterinário são importantes contribuintes para a poluição da água e, como resultado de processos químicos, formam subprodutos tóxicos nocivos à saúde humana quando suas substâncias entram na rede de abastecimento de água”. O perfil das vítimas se repete: “Agricultores e suas famílias, incluindo migrantes trabalhadores, sofrem maior risco com a exposição aos produtos agrícolas”, diz o estudo estadunidense.

A falta de testes exaustivos e conclusivos também é lamentada nos EUA: “Muitos dos solventes, agentes de enchimento e outros produtos químicos incluídos como ingredientes inertes em rótulos de pesticidas são também tóxicos, mas não são necessários testes quanto ao seu potencial para causar doenças crônicas, como o câncer. Os produtos químicos agrícolas muitas vezes são aplicados como misturas, por isso tem sido difícil distinguir claramente os riscos de câncer associado a seus agentes individuais”, diz o estudo do NCI.

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