ministério público federal – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Brasil pode liberar veneno mais tóxico para lavouras transgênicas https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/brasil-pode-liberar-veneno-mais-toxico-para-lavouras-transgenicas/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/brasil-pode-liberar-veneno-mais-toxico-para-lavouras-transgenicas/#comments Mon, 13 Jan 2014 17:49:25 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=124 MPF aconselha CTNBio a realizar mais testes que comprovem a segurança do veneno  2,4D, um dos principais componentes do agente laranja, usado como arma química no Vietnã

Por Maurício Thuswohl

Após uma década ao longo da qual o herbicida glifosato reinou absoluto nas lavouras transgênicas espalhadas pelo Brasil, a chegada de um novo produto, mais tóxico e com maior potencial de contaminação, coloca em alerta setores da sociedade e já é objeto de um inquérito civil por parte do Ministério Público Federal (MPF). Um dos principais componentes do tristemente célebre agente laranja, usado pelos Estados Unidos como arma letal contra civis durante a Guerra do Vietnã, o veneno conhecido como 2,4D pode ser uma realidade já na atual safra brasileira, em lavouras de soja e milho geneticamente modificadas para resistirem à aplicação do produto. Responsável pela possível liberação de três pedidos de plantio comercial relativos ao 2,4D – que seriam analisados em outubro – a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi aconselhada pelo MPF a realizar mais testes que comprovem a segurança do produto para a saúde e o meio ambiente.

Plantação de soja próxima a São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Foto: Daniel Santini

Plantação de soja próxima a São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Foto: Daniel Santini

Também instada pelo MPF a realizar uma audiência pública na qual a utilização do 2,4D fosse debatida de forma mais ampla pela sociedade civil, a CTNBio não acatou a orientação. Por isso, o MPF optou por organizar sozinho, em Brasília, uma audiência pública, realizada em 12 de dezembro, que contou com dezenas de representantes das organizações socioambientalistas, da academia e dos ministérios e agências reguladoras do governo federal, além de integrantes da própria CTNBio. Foram debatidos os riscos de contaminação de sementes crioulas pelas sementes geneticamente modificadas e de aumento do consumo de agrotóxicos no Brasil. A falta de mecanismos adequados para o monitoramento da cadeia de transgênicos no país também foi motivo de debate, além da pouca confiabilidade dos estudos, em sua maioria realizados pelas próprias empresas transnacionais que controlam a transgenia, levados em conta pela CTNBio no momento de decidir pelas liberações comerciais.

Em conversa exclusiva com a Repórter Brasil, após a realização da audiência pública, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, responsável pela condução do inquérito civil, faz um balanço positivo do debate e destaca que a CTNBio, embora não tenha respondido à solicitação do MPF, acabou não mais liberando nenhuma planta associada ao produto. Ele acredita que a decisão sobre a utilização do 2,4D ficará para este ano. O procurador também critica os mecanismos de controle e monitoramento hoje existentes no Brasil, tanto no que diz respeito aos testes acatados pela CTNBio quanto à cadeia de transgênicos em geral. Leia a seguir a íntegra da entrevista com Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

O que motivou a investigação realizada pelo Ministério Público Federal a respeito da liberação comercial de plantas transgênicas resistentes ao agrotóxico 2,4D? Quanto tempo durará o inquérito e quais seus possíveis desdobramentos?

O que motivou a investigação foi uma denúncia, realizada em reunião por alguns membros da CTNBio e vários outros pesquisadores, que denunciavam que a CTNBio estava na iminência de liberar alguns transgênicos de soja e milho resistentes a um herbicida muito perigoso – o 2,4D, que já foi usado na Guerra do Vietnã na composição do agente laranja – e que esta liberação estaria se dando de forma muito açodada e sem que todos os estudos necessários abordassem os temas que seriam pertinentes. Então, para verificar se realmente isso estava ocorrendo, decidimos abrir em setembro um inquérito civil. Em tese, a duração dele é de um ano. O inquérito pode ser prorrogado por mais um ano, se isso se mostrar necessário, mas, em princípio, a duração dele é de um ano. Como desdobramento, nós poderemos fazer alguma recomendação à CTNBio ou mesmo ajuizar ação no que diz respeito aos processos que estão sendo examinados.

A CTNBio foi notificada pelo Ministério Público Federal para que interrompesse os testes? Qual foi a reação?

Não foi pedido que ela parasse com os testes, e sim que continuasse com os estudos e os testes, mas por enquanto não liberasse comercialmente o produto. Nós solicitamos que não houvesse a liberação comercial e, com base no Artigo 15 da Lei de Biossegurança, que trata da CTNBio, pedimos também que eles realizassem uma audiência pública para que fosse feita uma discussão mais ampla e mais global a respeito dos impactos diretos e indiretos relacionados a essas sementes. A CTNBio se negou a realizar essa audiência pública, foi isso que motivou o MPF a realizar a audiência por conta própria. Nessa audiência que se realizou, nós chamamos vários atores da sociedade civil e das instituições públicas, e a própria CTNBio se fez presente através de vários de seus membros.

A CTNBio é obrigada a acatar essa recomendação de não mais liberar plantas que tenham relação com o 2,4D?

Na verdade, não colocamos isso como uma ordem, mas sim como uma solicitação. De toda forma, ainda que a CTNBio não se manifestasse expressamente sobre essa questão da suspensão das liberações, na prática ela acabou por não realizar liberações em 2013. Essa discussão ficou para 2014.

Existem muitas críticas à falta de dados consistentes nos testes – bancados e realizados, em sua maioria, pelas próprias empresas do setor – que têm embasado as decisões da CTNBio quanto à liberação de transgênicos. O MPF considera suficientes os dados e informações trazidos por esses testes? Onde estão as maiores lacunas?

Esses testes são realizados pelas próprias empresas, até porque o grau de profundidade tecnológica do estudo dá a dimensão de que realmente é muito difícil fazer estudos independentes a respeito desse tipo de tecnologia que envolve, inclusive, matéria de sigilo e matéria de patente. No caso do 2,4D, existe a denúncia por parte de vários pesquisadores de que a perspectiva do estudo teria sido reduzida e que ele não teria abordado vários aspectos necessários do que seria realmente importante trazer para decidir de forma mais consciente a liberação. Isso foi discutido na audiência pública, mas não há ainda uma conclusão muito clara a respeito desse tema.

O Brasil é campeão mundial do consumo de agrotóxicos. Já foi realizado algum cálculo sobre qual será o impacto da eventual liberação do 2,4D na expansão do mercado de agrotóxicos no país?

Isso não foi feito. Nós pedimos que isso fosse avaliado e que houvesse um prognóstico do aumento de consumo de 2,4D incentivado pela liberação das sementes transgênicas, mas até o momento não há nenhum dado científico que demonstre isso. Durante a audiência pública, a representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que existiria um espaço de crescimento de consumo de 2,4D no Brasil de até quatro vezes, um aumento de 300%. Mas, apesar desse posicionamento da Anvisa, não há nenhum estudo que demonstre concretamente qual será o aumento do consumo do 2,4D no Brasil caso haja essas liberações.

O processo de decisão sobre a liberação de transgênicos no Brasil, na forma como vem ocorrendo na última década, significa desrespeito a direitos humanos fundamentais?

Até o presente momento, eu não posso afirmar que houve esse desrespeito. O que eu posso afirmar é que o MPF está abordando o tema desde essa lógica e essa perspectiva. Isto é, nós estamos investigando para ver se os direitos humanos fundamentais à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente equilibrado e sadio estão sendo respeitados. Se nós concluirmos que esses direitos são desrespeitados, aí sim nós iremos tomar as medidas legais cabíveis.

Convite da audiência pública, realizada em 12 de dezembro, pelo MPF

Convite da audiência pública, realizada em 12 de dezembro, pelo MPF

A fiscalização sobre os testes que são levados em conta pela CTNBio é realizada de maneira satisfatória? A Anvisa cumpre bem o seu papel?

Isso também foi discutido na audiência pública. Dá para perceber que existe, digamos assim, uma distância muito grande entre aquilo que é produzido como estudo pelas empresas e seus pesquisadores contratados e depois apresentado à CTNBio e aquilo que realmente se consegue fazer de forma independente e paralela como contraprova dos resultados apresentados. Em tese, de toda forma, o controle tecnológico e científico desses resultados deveria ser feito pela CTNBio. O papel da Anvisa é outro, diz respeito ao registro e controle de herbicidas. A CTNBio vai estudar – e fazer a liberação, se for o caso – das sementes transgênicas. É lógico que existe aí um campo intermediário que diz respeito à própria interação das sementes transgênicas com o herbicida, mas, infelizmente, nem um órgão nem o outro acaba alcançando essas interações. Existe um espaço cinzento e nenhuma instituição acaba assumindo o papel de fazer esse controle.

Praticamente inexistem no Brasil de hoje mecanismos de monitoramento e controle da produção e comercialização de transgênicos. É possível exigir do governo que coloque em prática tais mecanismos?

Existem processos de monitoramento, como determina a lei, realizados pela CTNBio. A própria pauta de trabalho das reuniões da CTNBio demonstra que existem alguns processos sobre os quais eles realizam monitoramento. A questão é saber se o monitoramento está sendo feito de forma suficientemente correta e adequada ou não. Alguns críticos do trabalho da CTNBio afirmam de forma bastante veemente que esse monitoramento é insuficiente e meramente formal. Mas o MPF por enquanto não pode afirmar isso, não há dados para que possamos fazer essa afirmação.

Qual balanço faz o MPF sobre a Audiência Pública? O que a pode ser feito daqui pra frente para aprofundar essa discussão na sociedade civil?

Os focos da audiência foram os impactos diretos e indiretos relacionados à liberação dos transgênicos e também a questão da interação química, metabólica e biológica entre as sementes geneticamente modificadas e os herbicidas. Também foram discutidas a questão propriamente dita da reavaliação toxicológica do 2,4D, a acumulação de efeitos dos herbicidas e a sinergia e acumulação proporcionadas principalmente pela possível liberação das sementes transgênicas. Foi abordada também a metodologia de analise desses temas pela CTNBio, além de outros temas toxicológicos. O balanço que eu faço é muito bom. Acho que a gente conseguiu produzir muito conhecimento e obter muitas informações. Dezenas de pessoas – entre professores, pesquisadores e pessoas que trabalham no campo – tiveram a possibilidade de se manifestar a respeito de todos esses temas. Isso trouxe um resultado bastante plural e, nesse sentido, a audiência pública alcançou o objetivo democrático que ela se estipulou.

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Empresas ainda lutam para evitar a rotulagem de transgênicos no Brasil https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/#comments Wed, 13 Nov 2013 17:12:08 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=62 Produtos contendo organismos geneticamente modificados são vendidos em todo o país sem qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização
Por Maurício Thuswohl

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

É apenas uma letra “T” pintada em preto sobre um pequeno triangulo amarelo fixado nas embalagens, mas as empresas que comercializam produtos que contêm ingredientes transgênicos fogem desse símbolo como o diabo foge da cruz. Regulamentada em março de 2004, nove meses após a autorização do primeiro plantio comercial de soja transgênica no Brasil, a rotulagem ainda é uma meia-realidade no país.

Se, por um lado, produtos com maior visibilidade, como os óleos de soja ou os biscoitos à base de milho processado das marcas líderes, já são rotulados há algum tempo, outros produtos contendo transgênicos circulam pelo território nacional sem que haja qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização. Ao mesmo tempo, as empresas se valem de parlamentares ligados ao agronegócio para tentar aprovar no Congresso Nacional leis com o intuito de reverter a obrigatoriedade de rotulagem ou, ao menos, suavizá-la.

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A primeira menção à rotulagem de produtos transgênicos no Brasil foi feita no Decreto Presidencial 4.680, que se seguiu à Medida Provisória 113, editada em abril de 2003 pelo governo federal para regularizar a situação dos agricultores gaúchos que haviam plantado ilegalmente naquela safra a soja RR, desenvolvida pela transnacional Monsanto. Ao editar a MP, o governo exigiu que todos os produtos obtidos a partir da soja modificada fossem identificados como tais, desde que detectada uma presença de componentes transgênicos superior a 1% do volume total do alimento vendido, seja para consumo humano ou animal. Três dias após a publicação da MP, no entanto, o próprio Ministério da Agricultura admitiu que o governo ainda não tinha meios para fiscalizar a rotulagem. Esta só viria a ser regulamentada em março de 2004 pelo Ministério da Justiça, que publicou portaria criando o célebre símbolo triangular com a letra “T” em seu interior.

A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa

A resistência das empresas do setor alimentício foi além da retórica, e a maioria simplesmente ignorou a determinação. Isso começou a mudar em 2005, depois que as organizações Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Greenpeace denunciaram que as transnacionais Bunge (Holanda) e Cargill (EUA) utilizavam transgênicos na produção de suas marcas de óleo de soja Soya e Liza, líderes no mercado brasileiro, sem que estas fossem rotuladas. As denúncias, comprovadas pelas investigações do Ministério Público Federal, fez que a Justiça Federal obrigasse as duas empresas a rotular seus produtos com o símbolo dos transgênicos, o que começou a ser feito em 2008.As primeiras fiscalizações, efetuadas pela Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, só vieram a ocorrer de fato em outubro de 2004, por meio de testes realizados em amostras de 294 produtos recolhidos em vários estados. Sintomaticamente, no entanto, jamais foram flagrados pelos fiscais casos de produtos contendo transgênicos. À evidente falta de capacidade de fiscalização do governo, aliava-se a pouca vontade das grandes empresas dos setor de alimentos em aderir à rotulagem: “A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa. O tal símbolo incomoda: não é informação, é um alerta. Incomoda também a tolerância de apenas 1%. Gostaríamos que fosse 4%”, disse, à época, o diretor jurídico da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Paulo Nicolellis.

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Desde 2007, no entanto, parlamentares ligados ao agronegócio, à indústria da alimentação ou ao setor de transgenia começaram a apresentar projetos de lei com o objetivo de criar uma nova legislação para a rotulagem. Naquele ano, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), então no DEM, tentou aprovar, sem sucesso, um Projeto de Decreto Legislativo para acabar com a obrigação do uso do símbolo triangular amarelo com a letra “T”, tão temido pelos ruralistas.

Obrigatoriedade
A principal iniciativa para flexibilizar a medida foi apresentada em 2008 pelo deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS) e incluída desde 2011 na pauta do plenário da Câmara dos Deputados, onde aguarda votação. O PL 4.148 tem como principais objetivos: a) deixar de exigir a obrigatoriedade da informação sobre a presença de transgênicos no rótulo do produto desde que não seja possível sua detecção pelos métodos laboratoriais (regra que excluiria da rotulagem alimentos como papinhas de bebês, óleos, bolachas e margarinas); b) desobrigar a rotulagem dos alimentos com origem em animais alimentados com ração transgênica; c) excluir o símbolo com o triângulo amarelo e a letra “T’ que hoje permite a identificação do produto transgênico; d) tornar facultativa a informação no rótulo quanto à espécie doadora do gene transgênico.

Em carta de repúdio enviada ao Congresso Nacional, diversas organizações do movimento socioambientalista brasileiro afirmam que o PL 4.148/08, ao mesmo tempo, fere o Código de Defesa do Consumidor, revoga o Decreto de Rotulagem (4.680/03), contraria a Lei de Biossegurança aprovada em 2005 e descumpre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil como signatário do Protocolo de Cartagena da ONU. No documento, os ambientalistas afirmam que a tentativa de alterar a lei “prejudica o controle adequado dos transgênicos, já que a rotulagem é medida de saúde pública relevante para permitir o monitoramento pós-introdução no mercado e pesquisas sobre os impactos na saúde” e “viola o direito dos agricultores e das empresas alimentícias que optam por produzir alimentos isentos de ingredientes transgênicos”.

Além disso, a carta assinada por organizações como Idec, Greenpeace, Articulação Nacional de Agroecologia, Campanha Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, Terra de Direitos e Via Campesina, entre outras, afirma que um relaxamento definitivo na rotulagem dos transgênicos no país “pode impactar fortemente as exportações, na medida em que a rejeição às espécies transgênicas em vários países que importam alimentos do Brasil é grande”.

A pressão surtiu efeito, e o PL 4.148/08 adormeceu por algum tempo nas gavetas da Mesa Diretora da Câmara até que a discussão em torno dele foi retomada em dezembro de 2012, em regime de urgência: “Fizemos nova campanha para barrar esse PL, com um bom corpo de assinaturas. Enviamos e-mails diretamente para presidentes de partidos, líderes de bancada, frentes parlamentares e integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [Consea]. A pressão deu certo, ele foi passado para 2013 e ainda não retomado, embora ainda esteja em regime de urgência. A qualquer momento, pode ser votado”, diz João Paulo Amaral, pesquisador do Idec, ressaltando que a rotulagem de transgênicos está prevista no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos.

O limite de 1%
Em agosto de 2012, provocado por Ação Civil Pública movida pelo Idec, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região concedeu decisão favorável à rotulagem de produtos alimentícios que contivessem qualquer porcentagem de transgênicos, mesmo abaixo de 1%. A decisão confirmou ação movida em 2007 e negou recursos interpostos pela União e pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia): “O Idec entrou com ação considerando que essa definição de 1% não estaria garantindo a informação clara ao consumidor, que poderia estar ingerindo algo com transgênicos, embora fosse menos de 1%, e não saberia disso. A decisão do TRF quebrou com essa regra do 1%. Então, ficou valendo a rotulagem para qualquer porcentagem de transgenia”, diz Amaral.

A vitória dos movimentos de defesa dos consumidores, no entanto, não durou muito: “No final de dezembro de 2012, logo após o Natal e bem no meio dessa campanha que estamos fazendo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a decisão tomada pelo TRF em agosto. Então, caiu a decisão e voltou a valer o 1%, conforme o decreto presidencial de 2003”, relata o pesquisador do Idec.

Curiosamente, a indicação da presença de qualquer percentual de transgênicos nas embalagens dos produtos está prevista em outro Projeto de Lei que, no entanto, merece igualmente o repúdio das organizações do movimento socioambientalista. De autoria do deputado federal Cândido Vacarezza (PT-SP), o PL 5.575, apresentado em 2009 e que aguarda a sua apreciação por uma comissão especial da Câmara, é repudiado pelos ambientalistas porque prevê também, atendendo a um anseio das empresas, o fim da existência de qualquer rótulo ou símbolo indicativo de transgênicos nas embalagens. Isso sem falar que o PL 5.575/09 traz outro item sobre a liberação do cultivo de plantas geneticamente modificadas com estruturas reprodutivas estéreis, conhecidas como sementes suicidas ou terminator.

Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o Código de Defesa do Consumidor


Fiscalização
“Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o artigo VI, nos incisos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor”, diz Amaral. O Idec faz outro alerta aos consumidores: “Aguardamos até hoje a realização de Estudos de Impacto Ambiental para garantir se o consumo de transgênicos é seguro, pois, teoricamente, os produtos com ingredientes transgênicos não deveriam estar no mercado se não há clareza se são seguros ou não para serem consumidos e também produzidos. Nossa preocupação é que, além da questão da rotulagem, é preciso garantir alternativas ao consumidor. Até porque senão daqui a pouco todos os produtos terão o ‘T’ e aí não teremos mais escolha. Se quisermos falar em consumo sustentável e em alimentação saudável, temos de falar em alternativas que sejam acessíveis ao consumidor”, diz.

Delegada no Brasil à responsabilidade de uma série de órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, os Procons e as vigilâncias sanitárias estaduais, a fiscalização da rotulagem de produtos transgênicos, ainda assim, continua sofrível no país, segundo o Idec: “Fizemos uma pesquisa no período de festas juninas para avaliar os produtos à base de milho transgênico que teriam essa informação. Descobrimos que há uma série de marcas que não está com a rotulagem de transgênicas adequada. A maior parte delas não tinha a presença do símbolo com o ‘T’ nem trazia a informação ‘contém transgênicos’ escrita por extenso abaixo do símbolo. Quase nunca estava presente também a informação sobre qual era exatamente a espécie doadora do gene adicionado àquele milho e que estava causando a transgenia daquele alimento”, diz Amaral.

O pesquisador do Idec diz que ainda falta muito para que a rotulagem de produtos que contêm ingredientes transgênicos possa ser considerada satisfatória no Brasil: “Não basta ter o símbolo com o ‘T’ na embalagem, pois é apenas uma forma de fazer o consumidor identificar com facilidade se há transgênicos e reconhecer aquele produto rapidamente. O resultado da pesquisa nas festas juninas dispara o alarme de que falta fiscalizar e cobrar para que esses produtos tenham realmente a rotulagem garantida”.

Outro tipo muito importante de fiscalização – a feita pelo próprio consumidor – também deixa a desejar no Brasil, apesar de existirem inúmeras pesquisas de opinião indicando que as pessoas querem saber se o alimento consumido contém ou não ingredientes transgênicos: “O Idec fez uma enquete para saber se a pessoa já encontrou na embalagem de alimentos à base de milho alguma indicação sobre a presença de ingredientes transgênicos. O que se evidenciou é que poucas pessoas veem o ‘T’ na embalagem e também as informações escritas sobre os ingredientes, já que 56% dos entrevistados não viu essa indicação. Mas, o mais interessante é que 40% desses respondentes falam que, sim, já viram o triângulo amarelo com o ‘T’ indicando que aquele produto contém transgênicos. Isso é rapidamente assimilado, mas só 5% leram as informações complementares”, diz Amaral.

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Transgênicos e agrotóxicos: uma combinação letal https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/transgenicos-e-agrotoxicos-uma-combinacao-letal-2/ Wed, 13 Nov 2013 09:31:27 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=59 Expansão dos organismos geneticamente modificados fez aumentar o uso de defensivos agrícolas. Diversos estudos os relacionam ao crescimento da incidência de câncer

Por Maurício Thuswohl

A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

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Não à toa, as lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil. Ao lado da cana-de-açúcar, essas três culturas representam, segundo a Anvisa, cerca de 80% das vendas do setor. A soja, com 40% do volume total de venenos agrícolas consumidos no país, mais uma vez reina absoluta, seguida pelo milho (15%) e pelo algodão (10%). De acordo com a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, somente Brasil e Argentina jogam em suas lavouras transgênicas cerca de 500 mil toneladas de agrotóxicos à base de glifosato a cada ano.

Segundo a Anvisa, 130 empresas atuam hoje no setor de agrotóxicos no Brasil, sendo que 96 estão instaladas no país. Somente as dez maiores empresas do setor, no entanto, foram responsáveis por 75% das vendas de agrotóxicos na última safra, dividindo entre si o mercado brasileiro de acordo com as categorias de produto. Os herbicidas representam 45% do total de agrotóxicos comercializados no país, seguidos por fungicidas (14%), inseticidas (12%) e outras categorias (29%). Quando comparadas as vendas por ingredientes ativos, o glifosato lidera com 29% do mercado brasileiro de venenos agrícolas, seguido pelo óleo mineral (7%), pela atrazina (5%) e pelo novo agrotóxico 2,4D (5%).

A gente já previa há uns anos atrás que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo

Brack alerta que a situação tende a piorar nos próximos meses: “Entre o fim de setembro e o início de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se debruçará sobre três eventos transgênicos de soja e milho adaptados ao uso do 2,4D, que é um dos componentes do agente laranja”, diz, antes de fazer uma comparação: “Sabemos que o glifosato é tóxico, mas ele é considerado pela Anvisa como sendo de toxicidade baixa. Agora, em relação ao 2,4D, a própria Anvisa reconhece se tratar de um produto altamente tóxico. Isso é um retrocesso violento”.“Entre os principais riscos trazidos pelos transgênicos está o aumento do uso de agrotóxicos”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Temos, nos últimos dez anos, um aumento de mais de 130% do uso de herbicidas e de 70% do uso de agrotóxicos, enquanto a expansão da área plantada foi bem menor do que isso. A gente já previa há uns anos que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo”, diz.

Segundo o professor da UFRGS, a comunidade científica engajada contra a proliferação indiscriminada de transgênicos e agrotóxicos e as organizações do movimento socioambientalista farão uma grande campanha para que os eventos transgênicos ligados ao veneno 2,4D não sejam aprovados pela CTNBio em outubro: “O uso de transgênicos e agrotóxicos vai aumentar ainda mais. A sociedade tem de se levantar contra isso, pois a nossa saúde está em risco”, diz Brack.

Sem redução
Dirigente da AS-PTA, Jean Marc Von der Weid chama atenção para a desmistificação de uma “propaganda enganosa” feita pelas empresas: “Apesar de a propaganda das empresas falar de redução do uso de agrotóxicos, isso só ocorreu nos EUA, nos três primeiros anos do emprego da tecnologia. Depois, como todos os cientistas independentes previram, as ervas tratadas com doses maciças de glifosato adquiriram resistência ao produto e hoje infestam agressivamente os campos de soja, milho e algodão resistentes ao glifosato, produzindo reduções de produtividade que chegam a 50% em casos mais extremos. A perda de eficiência das plantas transgênicas no controle de invasoras e pragas significou que os volumes de agrotóxicos foram aumentando para compensar esse efeito. Além disso, os agricultores tiveram de usar outros agrotóxicos mais agressivos no lugar dos que perdiam sua eficiência, como o glifosato, que está sendo substituído pelo 2,4D, vulgo agente laranja”, afirma.

Jean-Marc cita um exemplo de como a propaganda feita pelas empresas jamais se confirmou na prática: “O milho Bt, que mata uma lagarta cuja infestação no Brasil nunca foi importante antes do uso desse produto, teve desde o começo da sua utilização um problema de efeito colateral. As lagartas ‘mastigadoras’ morriam, mas os insetos ‘sugadores’ se multiplicavam como nunca antes e, no balanço geral, o resultado em termos de produtividade e gastos com os controles de pragas davam empate com os sistemas convencionais”, diz.

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Doenças
Um dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) relaciona com detalhes os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras: “Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição”, alerta o documento.

Há poucos estudos científicos sobre o impacto do uso dos transgênicos, pois a questão de conflito de interesses é grande

Paulo Brack, entretanto, ressalva que os riscos são mais do que conhecidos: “Existem vários trabalhos que comprovam não só a incidência de câncer, mas também de outras doenças. O próprio 2,4D, além de ter uma toxicidade elevada, é também um disruptor endócrino, ou seja, provoca alterações hormonais e pode causar problemas genéticos teratogênicos. Com ele, nós vamos ter mais risco de crianças nascerem defeituosas. No caso do glifosato, que é o mais utilizado, existem vários trabalhos mostrando que altera a divisão celular. Os trabalhos estão cada vez mais fortalecendo essa questão de que ele está relacionado ao surgimento de câncer”, diz.A falta de estudos sistemáticos e com abrangência nacional que possam comprovar a inter-relação entre transgênicos, agrotóxicos e câncer, no entanto, contribui para que a questão não seja enfrentada corretamente pelo poder público: “A questão dos transgênicos é bastante complexa em termos de impacto para a saúde humana. Há poucos estudos científicos sobre o impacto do seu uso, pois a questão de conflito de interesses é grande e, em geral, há pouco financiamento de estudos sobre esse tema”, diz Anelise Rizzolo, integrante da Comissão Executiva que elaborou o dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. Na opinião de Anelise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), “o Princípio da Precaução deve ser o critério utilizado enquanto não houver estudos suficientes que atestem sobre os reais impactos dos transgênicos na saúde”.

Outros países
Em outros países também já começam a aparecer denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Na cidade de Córdoba, na Argentina, um levantamento feito no Bairro Ituzaingó, onde existem centenas de residências ilhadas pelas lavouras de soja transgênica e expostas a banhos de agrotóxicos jogados por aviões, revelou que a incidência de câncer aumentava com a proximidade dos campos de soja. Até 2010 foram registrados naquela região 169 casos da doença, dos quais 32 resultaram em óbito.

Nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional do Câncer (NCI, na sigla em inglês) afirma que “toda a população dos EUA é exposta diariamente a numerosos produtos químicos agrícolas, muitos destes suspeitos de conterem propriedades cancerígenas ou atuarem como disruptores endócrinos”. Segundo o documento, “pesticidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas) aprovados para uso pela Agência Ambiental dos EUA [EPA, na sigla em inglês] contêm quase 900 ingredientes ativos, muitos dos quais tóxicos”.

O NCI alerta que “pesticidas, fertilizantes agrícolas e medicamentos de uso veterinário são importantes contribuintes para a poluição da água e, como resultado de processos químicos, formam subprodutos tóxicos nocivos à saúde humana quando suas substâncias entram na rede de abastecimento de água”. O perfil das vítimas se repete: “Agricultores e suas famílias, incluindo migrantes trabalhadores, sofrem maior risco com a exposição aos produtos agrícolas”, diz o estudo estadunidense.

A falta de testes exaustivos e conclusivos também é lamentada nos EUA: “Muitos dos solventes, agentes de enchimento e outros produtos químicos incluídos como ingredientes inertes em rótulos de pesticidas são também tóxicos, mas não são necessários testes quanto ao seu potencial para causar doenças crônicas, como o câncer. Os produtos químicos agrícolas muitas vezes são aplicados como misturas, por isso tem sido difícil distinguir claramente os riscos de câncer associado a seus agentes individuais”, diz o estudo do NCI.

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Grupo de seis empresas controla mercado global de transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/grupo-de-seis-empresas-controla-mercado-global-de-transgenicos/ Tue, 12 Nov 2013 09:18:55 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=53 Ação das transnacionais é norteada pela política do fato consumado na introdução de produtos, pressão sobre os agricultores e influência direta sobre os órgãos públicos

Por Maurício Thuswohl

Basta dar uma olhada na lista de cultivos geneticamente modificados já liberados para plantio comercial em território brasileiro pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – cinco tipos de soja, 18 de milho e 12 de algodão, além de uma de feijão – para se ter a noção exata de que o clube dos transgênicos é para pouquíssimos sócios. Com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

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O monopólio praticado pelas transnacionais no mercado agrícola brasileiro se reproduz em todo o mundo. Um relatório divulgado em março pelo Grupo ETC, organização socioambientalista internacional que atua no setor de biotecnologia e monitora o mercado de transgênicos, revela que as seis maiores empresas, apelidadas de “Gene Giants” (Gigantes da Genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor.

Infográfico: Transgênicos liberados no BrasilBaixe os dados em uma tabela com as propriedades de cada transgênico

A concentração de mercado, por si só, já seria passível de críticas, mas ambientalistas, associações de defesa do consumidor e adversários dos transgênicos em geral também repudiam severamente os métodos utilizados ao longo dos anos pelas Gene Giants para consolidar seu monopólio. Nos países onde atuam, a ação das empresas transnacionais, ainda hoje, é norteada pela política do fato consumado na introdução de seus produtos (com práticas como a distribuição ilegal de sementes ou a contaminação deliberada de lavouras convencionais), a pressão sobre os agricultores para a adoção da tecnologia transgênica e dos produtos químicos agrícolas a ela associados e a influência direta sobre os órgãos nacionais do poder público responsáveis por deliberar sobre a liberação de organismos geneticamente modificados.

Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais

 

Um dos métodos utilizados pelas transnacionais, diz Frigo, é cooptar cooperativas agropecuárias para fazer a distribuição das suas sementes e, à medida que as empresas de sementes vão sendo compradas e o mercado dominado, colocar à venda apenas a semente com a qual terão mais lucro: “Aqui no Brasil, muitas vezes, os agricultores iam comprar as sementes convencionais e não as encontravam mais, ou as encontravam em quantidades muito pequenas, o que os obrigava a, não tendo outra opção, comprar as sementes que, por exemplo, a Monsanto impunha no mercado. Então, essa imposição do pacote tecnológico, a imposição da transgenia, se deu a ferro e fogo. Quando os agricultores se deram conta, haviam entrado em um caminho sem volta”.“No Brasil, essas transnacionais compraram praticamente todas as pequenas e médias empresas de sementes, além de dominarem a cadeia agroalimentar desde a produção de sementes, agroquímicos e agrotóxicos até a parte de logística, transporte e exportação. Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais. Isso é um problema grave para um país que quer ter soberania alimentar e condições melhores de produção para garantir alimentos de qualidade à população”, diz Darci Frigo, advogado da organização socioambientalista Terra de Direitos. Nesses dez anos de reinado transgênico no país, diz Frigo, a perda da diversidade alimentar já é realidade: “Essas empresas vêm homogeneizando a dieta com poucos produtos. Basicamente, aqueles produtos que interessam a elas do ponto de vista da aplicação de determinados agrotóxicos ou outros insumos, com a chamada venda casada”.

A captura dos agricultores é também apontada pelo pesquisador Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Se você falar com um agricultor gaúcho sobre a opção de não plantar transgênicos, ele simplesmente vai te dizer que não existe mais semente convencional. O mercado foi tomado pelas sementes transgênicas. Hoje, ele está dominado, e você não tem nem mais a alternativa de plantar culturas convencionais. Isso é um escândalo, porque vai contra a economia do próprio agricultor, que perde a possibilidade de fazer a sua própria semente e tem de pagar royalties para as empresas. O círculo está se fechando, e o governo deveria resguardar, no mínimo, a possibilidade de produção de sementes convencionais e sementes crioulas”, diz.

Capa do DVD do filme "O mundo segundo a Monsanto"

Capa do DVD do filme “O mundo segundo a Monsanto”

Influência
Talvez as mais conhecidas peças de denúncia sobre os métodos utilizados pelas gigantes do setor de transgenia, o livro e o filme “O mundo segundo a Monsanto”, ambos da francesa Marie-Monique Robin, relatam a trajetória histórica da empresa estadunidense, desde o seu envolvimento nas pesquisas sobre a bomba atômica (que acabou jogada sobre os civis japoneses nos anos 1940) e a criação do agente laranja (utilizado para matar civis na guerra do Vietnã nos anos 1960) até sua chegada à tecnologia transgênica e ao novo papel de “empresa agrícola” nos anos 1990.

Durante todas essas décadas, relata Robin, a Monsanto jamais deixou de exercer forte influência sobre os agentes públicos que ocupavam postos em órgãos de estratégica importância como, por exemplo, a agência que regula o mercado de alimentos, drogas e produtos químicos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês). Livro e filme têm também uma parte especialmente dedicada à América do Sul, onde mostram os métodos utilizados pela Monsanto para introduzir ilegalmente a soja transgênica RR na lavouras do estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

No Brasil, o método básico de ação das Gene Giants para consolidar a posição de seus produtos no mercado também alia a pressão sobre os agricultores à tentativa de influenciar setores estratégicos da administração pública: “Há uma influência muito grande no direcionamento da pesquisa e também no âmbito do Congresso Nacional e do financiamento das campanhas eleitorais. Isso determina que os temas de interesse das empresas de biotecnologia acabem entrando na lógica do parlamento. A bancada ruralista presta serviço à transgenia, apesar de os agricultores serem dominados pelo cartel formado por essas empresas, porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais”, diz Darci Frigo.

A bancada ruralista presta serviço à transgenia porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais


iTunes transgênico
Segundo o dirigente da Terra de Direitos, é tanta a força das gigantes da transgenia no Brasil atualmente que elas até mesmo reduziram sua propaganda: “As empresas abandonaram o discurso de que transgênico diminui o uso de agrotóxicos porque já estabeleceram seu domínio sobre os agricultores e o mercado, e agora ninguém mais vai discutir essa diminuição. As autoridades não questionam e o Ministério da Agricultura não se estrutura para fazer uma real fiscalização do que acontece no terreno. É grande a influência dessas empresas por meio da pressão sobre os parlamentares ou por meio das ações de cooptação dos órgãos responsáveis pela fiscalização, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para liberar agrotóxicos, ou a CTNBio, para liberar transgênicos”, diz Frigo.

Mais recentemente, setores antitransgênicos manifestaram seu repúdio à iniciativa de algumas empresas transnacionais que anunciaram o compartilhamento gratuito de tecnologias relativas a seus produtos para pesquisadores de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, um acordo inicialmente elaborado pela Monsanto, e agora posto em prática pela General Electric (GE), promete liberar aos agricultores informações técnicas sobre diversos produtos da empresa que já tiveram suas patentes expiradas: “Com isso, querem fazer que uma prática monopolista pareça um ato de caridade”, diz o relatório do Grupo ETC.

A medida de maior impacto, no entanto, foi anunciada em janeiro pela Syngenta. A transnacional suíça lançou na internet o que define como uma “plataforma de compartilhamento de inovação na agricultura”, onde disponibiliza gratuitamente para pesquisadores algumas técnicas e características genéticas de suas sementes patenteadas. Ironicamente batizada pelo movimento socioambientalista como o “iTunes dos Transgênicos”, o site da Syngenta é definido pelo Grupo ETC ao mesmo tempo como “uma tentativa de imposição de transferência tecnológica para o Sul” e “uma jogada concebida expressamente para acalmar o movimento contra o patenteamento de plantas que ganha força na Europa”.

Briga por royalties
No que diz respeito a patentes, o poder de persuasão das empresas que controlam o setor de transgênicos também tem seus limites. Absoluta no mercado brasileiro de soja transgênica, a Monsanto mantém há anos uma complicada relação com os produtores do grão no país por conta da cobrança de royalties relativos à sua tecnologia RR. Em junho deste ano, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), motivada por uma ação da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), determinou que a empresa suspendesse a cobrança de royalties, considerada indevida. A decisão obrigou a Monsanto a fazer um acordo com os produtores brasileiros para o ressarcimento de R$ 212 milhões cobrados indevidamente nas safras 2010/2011 e 2011/2012.

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Diretor técnico da Aprosoja-MT, Nery Ribas afirma que, se dependesse das poucas informações transmitidas aos produtores pela Monsanto ao longo de todos esses anos de relação, a cobrança indevida não teria sido percebida: “Antes, a dificuldade em obter informações era muito grande, mas, com a contratação de consultorias especializadas, conseguimos demonstrar que a patente havia vencido em agosto de 2010. Ou seja, já havia sido cobrado indevidamente em duas safras”, diz.

Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, a Monsanto vai ter de pagar em dobro

 

O acordo será efetivado na comercialização da nova tecnologia transgênica para soja desenvolvida pela Monsanto no Brasil, conhecida como Intacta: “O que temos para receber, relativo a esses dois anos, nos vai ser pago em forma de bônus no uso da nova tecnologia. Por quatro anos, a Monsanto concederá um bônus que o produtor poderá utilizar na aplicação da tecnologia. Em vez de R$ 115 por hectare, que é o preço dos royalties já definido pela Monsanto para a Intacta, serão cobrados R$ 96,50. Ou seja, haverá R$ 18,50 a menos por hectare durante quatro anos”, diz o dirigente da Aprosoja.A Aprosoja-MT liderou então um movimento pelo fim da cobrança dos royalties que acabou tendo efeitos em todo o Brasil: “Entramos com a ação e ganhamos em todas as instâncias. A Monsanto reconheceu o erro e estendeu esse benefício para todo o país. Já não cobrou os royalties nessa última safra [2012/2013] e, depois de muita discussão, chegamos a um acordo. Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, vão ter de pagar em dobro. A legislação brasileira é muito clara: cobrou indevidamente, tem de pagar em dobro”, diz Ribas.

Nery Ribas diz que o cultivo de transgênicos “tem suas desvantagens, e uma delas é a obrigação de pagamento de royalties” às empresas detentoras da tecnologia: “Não somos contra a tecnologia e não somos de maneira nenhuma contra pagar pela tecnologia, mas desde que seja bom, justo e interessante para os dois lados. O que vinha ocorrendo é que o monopólio de uma única empresa sobre a inovação tecnológica fez que ela cobrasse um preço que nunca foi discutido pelos produtores. A Monsanto chegava, determinava o valor e pronto. Não se discutia valor, forma de cobrança etc. Nunca se discutiu isso, e o produtor, pela utilização dos benefícios, nunca questionou e sempre pagou, mas sempre reconhecendo que era muito caro”, diz.

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