soja – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Transgênicos e agrotóxicos: uma combinação letal https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/transgenicos-e-agrotoxicos-uma-combinacao-letal-2/ Wed, 13 Nov 2013 09:31:27 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=59 Expansão dos organismos geneticamente modificados fez aumentar o uso de defensivos agrícolas. Diversos estudos os relacionam ao crescimento da incidência de câncer

Por Maurício Thuswohl

A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

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Não à toa, as lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil. Ao lado da cana-de-açúcar, essas três culturas representam, segundo a Anvisa, cerca de 80% das vendas do setor. A soja, com 40% do volume total de venenos agrícolas consumidos no país, mais uma vez reina absoluta, seguida pelo milho (15%) e pelo algodão (10%). De acordo com a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, somente Brasil e Argentina jogam em suas lavouras transgênicas cerca de 500 mil toneladas de agrotóxicos à base de glifosato a cada ano.

Segundo a Anvisa, 130 empresas atuam hoje no setor de agrotóxicos no Brasil, sendo que 96 estão instaladas no país. Somente as dez maiores empresas do setor, no entanto, foram responsáveis por 75% das vendas de agrotóxicos na última safra, dividindo entre si o mercado brasileiro de acordo com as categorias de produto. Os herbicidas representam 45% do total de agrotóxicos comercializados no país, seguidos por fungicidas (14%), inseticidas (12%) e outras categorias (29%). Quando comparadas as vendas por ingredientes ativos, o glifosato lidera com 29% do mercado brasileiro de venenos agrícolas, seguido pelo óleo mineral (7%), pela atrazina (5%) e pelo novo agrotóxico 2,4D (5%).

A gente já previa há uns anos atrás que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo

Brack alerta que a situação tende a piorar nos próximos meses: “Entre o fim de setembro e o início de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se debruçará sobre três eventos transgênicos de soja e milho adaptados ao uso do 2,4D, que é um dos componentes do agente laranja”, diz, antes de fazer uma comparação: “Sabemos que o glifosato é tóxico, mas ele é considerado pela Anvisa como sendo de toxicidade baixa. Agora, em relação ao 2,4D, a própria Anvisa reconhece se tratar de um produto altamente tóxico. Isso é um retrocesso violento”.“Entre os principais riscos trazidos pelos transgênicos está o aumento do uso de agrotóxicos”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Temos, nos últimos dez anos, um aumento de mais de 130% do uso de herbicidas e de 70% do uso de agrotóxicos, enquanto a expansão da área plantada foi bem menor do que isso. A gente já previa há uns anos que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo”, diz.

Segundo o professor da UFRGS, a comunidade científica engajada contra a proliferação indiscriminada de transgênicos e agrotóxicos e as organizações do movimento socioambientalista farão uma grande campanha para que os eventos transgênicos ligados ao veneno 2,4D não sejam aprovados pela CTNBio em outubro: “O uso de transgênicos e agrotóxicos vai aumentar ainda mais. A sociedade tem de se levantar contra isso, pois a nossa saúde está em risco”, diz Brack.

Sem redução
Dirigente da AS-PTA, Jean Marc Von der Weid chama atenção para a desmistificação de uma “propaganda enganosa” feita pelas empresas: “Apesar de a propaganda das empresas falar de redução do uso de agrotóxicos, isso só ocorreu nos EUA, nos três primeiros anos do emprego da tecnologia. Depois, como todos os cientistas independentes previram, as ervas tratadas com doses maciças de glifosato adquiriram resistência ao produto e hoje infestam agressivamente os campos de soja, milho e algodão resistentes ao glifosato, produzindo reduções de produtividade que chegam a 50% em casos mais extremos. A perda de eficiência das plantas transgênicas no controle de invasoras e pragas significou que os volumes de agrotóxicos foram aumentando para compensar esse efeito. Além disso, os agricultores tiveram de usar outros agrotóxicos mais agressivos no lugar dos que perdiam sua eficiência, como o glifosato, que está sendo substituído pelo 2,4D, vulgo agente laranja”, afirma.

Jean-Marc cita um exemplo de como a propaganda feita pelas empresas jamais se confirmou na prática: “O milho Bt, que mata uma lagarta cuja infestação no Brasil nunca foi importante antes do uso desse produto, teve desde o começo da sua utilização um problema de efeito colateral. As lagartas ‘mastigadoras’ morriam, mas os insetos ‘sugadores’ se multiplicavam como nunca antes e, no balanço geral, o resultado em termos de produtividade e gastos com os controles de pragas davam empate com os sistemas convencionais”, diz.

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Doenças
Um dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) relaciona com detalhes os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras: “Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição”, alerta o documento.

Há poucos estudos científicos sobre o impacto do uso dos transgênicos, pois a questão de conflito de interesses é grande

Paulo Brack, entretanto, ressalva que os riscos são mais do que conhecidos: “Existem vários trabalhos que comprovam não só a incidência de câncer, mas também de outras doenças. O próprio 2,4D, além de ter uma toxicidade elevada, é também um disruptor endócrino, ou seja, provoca alterações hormonais e pode causar problemas genéticos teratogênicos. Com ele, nós vamos ter mais risco de crianças nascerem defeituosas. No caso do glifosato, que é o mais utilizado, existem vários trabalhos mostrando que altera a divisão celular. Os trabalhos estão cada vez mais fortalecendo essa questão de que ele está relacionado ao surgimento de câncer”, diz.A falta de estudos sistemáticos e com abrangência nacional que possam comprovar a inter-relação entre transgênicos, agrotóxicos e câncer, no entanto, contribui para que a questão não seja enfrentada corretamente pelo poder público: “A questão dos transgênicos é bastante complexa em termos de impacto para a saúde humana. Há poucos estudos científicos sobre o impacto do seu uso, pois a questão de conflito de interesses é grande e, em geral, há pouco financiamento de estudos sobre esse tema”, diz Anelise Rizzolo, integrante da Comissão Executiva que elaborou o dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. Na opinião de Anelise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), “o Princípio da Precaução deve ser o critério utilizado enquanto não houver estudos suficientes que atestem sobre os reais impactos dos transgênicos na saúde”.

Outros países
Em outros países também já começam a aparecer denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Na cidade de Córdoba, na Argentina, um levantamento feito no Bairro Ituzaingó, onde existem centenas de residências ilhadas pelas lavouras de soja transgênica e expostas a banhos de agrotóxicos jogados por aviões, revelou que a incidência de câncer aumentava com a proximidade dos campos de soja. Até 2010 foram registrados naquela região 169 casos da doença, dos quais 32 resultaram em óbito.

Nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional do Câncer (NCI, na sigla em inglês) afirma que “toda a população dos EUA é exposta diariamente a numerosos produtos químicos agrícolas, muitos destes suspeitos de conterem propriedades cancerígenas ou atuarem como disruptores endócrinos”. Segundo o documento, “pesticidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas) aprovados para uso pela Agência Ambiental dos EUA [EPA, na sigla em inglês] contêm quase 900 ingredientes ativos, muitos dos quais tóxicos”.

O NCI alerta que “pesticidas, fertilizantes agrícolas e medicamentos de uso veterinário são importantes contribuintes para a poluição da água e, como resultado de processos químicos, formam subprodutos tóxicos nocivos à saúde humana quando suas substâncias entram na rede de abastecimento de água”. O perfil das vítimas se repete: “Agricultores e suas famílias, incluindo migrantes trabalhadores, sofrem maior risco com a exposição aos produtos agrícolas”, diz o estudo estadunidense.

A falta de testes exaustivos e conclusivos também é lamentada nos EUA: “Muitos dos solventes, agentes de enchimento e outros produtos químicos incluídos como ingredientes inertes em rótulos de pesticidas são também tóxicos, mas não são necessários testes quanto ao seu potencial para causar doenças crônicas, como o câncer. Os produtos químicos agrícolas muitas vezes são aplicados como misturas, por isso tem sido difícil distinguir claramente os riscos de câncer associado a seus agentes individuais”, diz o estudo do NCI.

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Por Maurício Thuswohl

O acelerado ritmo de crescimento das áreas ocupadas com cultivos geneticamente modificados em várias partes do mundo cria no mercado a expectativa de que o número de pedidos para liberação comercial de transgênicos no Brasil aumente ainda mais nos próximos anos, já que o país tem grande capacidade produtiva e uma extensa área de plantio que ainda pode ser utilizada. Para se ter uma ideia do potencial de expansão das plantas geneticamente modificadas em um país com extensão territorial de dimensões continentais, os Estados Unidos, segundo relatório publicado este ano pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA, na sigla em inglês), plantou um total de 69,5 milhões de hectares com transgênicos em 2012.

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Segundo colocado, com 36,6 milhões de hectares plantados, o Brasil já se posiciona bem à frente dos outros principais produtores mundiais de transgênicos: Argentina (23,9 milhões de hectares), Canadá (11,6 milhões), Índia (10,8 milhões) e China (4 milhões). Atualmente, segundo o relatório do ISAAA, os transgênicos são legalmente cultivados em 28 países e já estão presentes em todos os continentes, em um total de 170,3 milhões de hectares plantados. O último país a entrar no rol dos produtores de plantas geneticamente modificadas foi Cuba, que no ano passado começou a plantar milho com tecnologia B.t.

No mercado internacional, o principal comprador de transgênicos produzidos no Brasil hoje é a China, que fica com 70% da produção brasileira de soja geneticamente modificada, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil): “Para se ter uma ideia da importância chinesa, a Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda. Eles esperaram por duas safras no Brasil, mas enquanto a China não bateu o martelo não dava para usar a nova soja transgênica”, diz Nery Ribas, diretor técnico da entidade.

A Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda

A posição russa está alinhada com a da União Europeia (UE) que, assim como o Japão, rejeita o plantio e dificulta a comercialização de transgênicos em seu território. Na Europa, a rejeição ao consumo de frutas, legumes e verduras transgênicos é tão disseminada no imaginário da sociedade que países como Itália, França, Bélgica e Bulgária, entre outros, já proibiram totalmente o cultivo de plantas geneticamente modificadas em seu território.O relatório do ISAAA revela que em 2012, pela primeira vez, a área plantada com transgênicos nos países desenvolvidos (48%) foi superada pela área plantada nos países em desenvolvimento (52%). Nesse contexto, os países ditos emergentes têm papel de destaque, liderados pelo Brasil que, segundo o ISAAA, a partir da próxima safra já será responsável por um quarto dos transgênicos cultivados em todo o mundo. Entre os países do grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente a Rússia continua livre de transgênicos.

No Japão, a proibição é levada a sério ao ponto de o Ministério da Agricultura ter cancelado, em maio, a importação de parte das 750 mil toneladas de trigo que o país havia comprado este ano dos Estados Unidos. A proibição aconteceu após o Departamento de Agricultura estadunidense ter anunciado a descoberta de contaminação de uma plantação no estado do Oregon por uma variedade transgênica de trigo RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. O detalhe é que o plantio de trigo geneticamente modificado para fins comerciais jamais foi autorizado em nenhum país, nem mesmo nos EUA.

Monsanto desiste da Europa
Responsável por autorizar a entrada de transgênicos nos países da UE, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) liberou até hoje pouco mais de 50 produtos compostos por transgênicos para alimentação humana ou animal. Apenas dois tipos de cultivo em território europeu, no entanto, foram liberados em todos esses anos: o milho MON 810, desenvolvido pela Monsanto e cultivado desde 2008 na Espanha, Alemanha, Portugal, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia, e a batata Amflora, desenvolvida pela Basf e cultivada desde 2010 na Alemanha e na Suécia.

A Espanha, com 97,3 mil hectares plantados com o milho modificado da Monsanto, é o país europeu que tem hoje a maior área cultivada com transgênicos. Por outro lado, o plantio do MON 810 foi completamente proibido na França, Alemanha, Grécia, Áustria, Hungria e Luxemburgo. A batata Amflora da Basf, por sua vez, teve a entrada proibida na Áustria, Hungria, Polônia, França e Luxemburgo.

Em julho, o porta-voz da Monsanto divulgou um comunicado oficial no qual a empresa estadunidense afirma sua desistência de levar adiante todos os projetos envolvendo o cultivo de transgênicos na Europa. Na mesma ocasião, o porta-voz afirmou que “o foco da empresa, no que diz respeito ao desenvolvimento de transgênicos, são os Estados Unidos e a América Latina”, e que a Monsanto continuará pedindo à UE autorizações para importar transgênicos colhidos nos EUA, no Brasil e na Argentina.

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Soja convencional
Mesmo com apenas 12% de sua última safra composta pela soja tradicional, o agronegócio brasileiro também vai bem nesse nicho de mercado. A possibilidade de exportação para a Europa e o Japão faz que o país seja hoje o maior produtor mundial da chamada soja convencional, setor que hoje proporciona uma maior lucratividade que a soja transgênica. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), os agricultores brasileiros recebem de compradores japoneses e europeus um valor adicional que pode chegar a até R$ 8 por cada saca vendida do grão convencional, que se tornou um artigo de luxo.

A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica

A importância dos mercados europeu e japonês para a soja convencional brasileira hoje é tão grande quanto a dos mercados dos Estados Unidos e da China para a soja transgênica: “Não podemos abandonar ou relegar a um segundo plano a soja convencional. Se formou um nicho de mercado interessante para a soja convencional, em termos de preço e valorização na comercialização, com países europeus e alguma coisa no Japão. A produção não pode passar de um determinado volume que já degringola, mas, até esse volume, o produtor tem bônus, tem prêmio e preço e não tem royalties para pagar. Então, a soja convencional proporciona hoje ao produtor uma renda bastante interessante”, diz Ribas.Por outro lado, como a lavoura convencional não pode ter nenhum contato direto ou indireto com a lavoura transgênica, sob risco de contaminação, os agricultores que optam por exportar a soja convencional têm hoje um custo extra por serem obrigados a separar máquinas, equipamentos e silos para uso exclusivo. Ainda assim, diz a Aprosoja com base em estudos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), os custos entre as produções convencional e transgênica hoje se equivalem: “A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica”, diz Nery Ribas.

Dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid ressalta que a reserva de mercado para a soja convencional brasileira na Europa e no Japão é importante também para a resistência contra o domínio total da soja transgênica em nossa lavouras: “Garantimos um espaço de produção não transgênica vital para poder abastecer o mercado europeu que resiste aos transgênicos. Sem essa produção brasileira, os europeus teriam, por exemplo, de se render às empresas de transgenia por falta de opção de oleaginosas para alimentação animal”, diz.

Para parte dos produtores brasileiros, a resistência da soja convencional é também esperança de que as exportações no setor voltem a se qualificar no futuro, já que um efeito colateral do avanço dos transgênicos no Brasil foi a queda nas vendas para o mercado externo dos derivados da soja com maior valor agregado que o grão in natura, como óleo, farelo e outras formas do grão processado.

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Legalizados há 10 anos, transgênicos vivem ‘apoteose’ no Brasil https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/legalizados-ha-10-anos-transgenicos-vivem-apoteose-no-brasil/ Mon, 11 Nov 2013 09:37:04 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=32 A Repórter Brasil começa a publicar uma série de nove reportagens sobre os impactos de uma década da liberação de sementes modificadas no país. Próximos textos abordarão diversos aspectos, como os riscos denunciados por ambientalistas aos direitos do agricultor e à saúde do consumidor

Por Maurício Thuswohl

Se o Brasil decidisse comemorar os dez anos, completados em junho, da primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas no país, a confecção de pelo menos uma parte dos quitutes para a festa certamente levaria produtos obtidos a partir de alimentos transgênicos. Negociada entre o governo brasileiro e o Congresso Nacional como reconhecimento a um fato consumado – a introdução ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul da soja geneticamente modificada RoundUp Ready, desenvolvida pela empresa transnacional Monsanto para resistir ao herbicida glifosato – a lei 10.688/2003 foi sancionada há uma década pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, os transgênicos se impuseram como uma realidade nacional e conquistaram espaço significativo no mercado, apesar do desconhecimento da maioria da população sobre seus riscos e da rejeição de diversas organizações representativas dos movimentos sociais.

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Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados
Campo de soja no Mato Grosso do Sul (Foto: Verena Glass)

Campo de milho transgênico no Mato Grosso do Sul. Foto: Verena Glass

O Brasil é hoje, ao lado dos Estados Unidos, líder mundial da produção de soja transgênica. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 88% da safra de soja 2012/2013, que produziu impressionantes 81,3 milhões de toneladas, era composta por grãos geneticamente modificados, que ocuparam 37,1 milhões de hectares. Impulsionada pelo restrito clube de empresas que atua no setor, a força dos transgênicos na atual safra se estende a outras importantes commodities no país, como o milho e o algodão, que também já têm a maior parte de sua produção – 60% e 55%, respectivamente – composta por transgênicos. Na próxima safra (2013/2014), os transgênicos também serão parte da produção do símbolo maior da alimentação do povo brasileiro, o feijão, com o plantio de uma modalidade resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Uma estimativa divulgada pelo Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), baseada em estudo realizado pela consultoria de estratégias em agronegócio Céleres, diz que, somados todos os cultivares, o Brasil terá na safra 2013/2014, que começará a ser plantada em outubro, uma área de 40,3 milhões de hectares ocupada com transgênicos. Líder de mercado, a soja transgênica deverá ocupar quase 27 milhões de hectares na safra 2013/2014, em uma expansão de 8,9% sobre a última safra, e permanecerá presente em todo o país, com destaque para os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O milho transgênico, segundo o CIB, tem uma área total de cultivo para a próxima safra estimada em quase 13 milhões de hectares, já consideradas as colheitas de verão e a safrinha, o que elevaria a 81% a participação dos transgênicos na produção total de milho no Brasil. De acordo com a Embrapa, a safra 2013/2014 terá 467 cultivares de milho em todo o país, dos quais 54% (253) serão ocupados por plantas transgênicas.

Na última safra, a área total de algodão plantada no Brasil – o plantio acontece em todo o país, com exceção das zonas de exclusão no Pantanal e na Amazônia – se aproximou de um milhão de hectares. Para a safra 2013-2014, espera-se que pouco mais de 500 mil hectares sejam ocupados por plantas transgênicas, o que representa um aumento de 4,8% em relação à safra anterior. Segundo o CIB, este ano o algodão transgênico deverá ultrapassar 60% da produção total de algodão no país.

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Opiniões
A rápida expansão do mercado de transgênicos no Brasil é saudada pelas organizações representativas dos produtores. Diretor técnico da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Nery Ribas define os transgênicos como “um diferencial” na agricultura brasileira: “A evolução da transgenia representou uma revolução na agricultura, com a otimização e agilização do processo de produção, a otimização da utilização de máquinas, o ganho de tempo e a manutenção do funcionário na propriedade”, diz. A Aprosoja, segundo seu diretor, considera a transgenia um “evento de suma importância”, uma “uma inovação tecnológica fantástica” e “uma grande ferramenta para o produtor”.

No movimento socioambientalista, a visão é bem diferente. Para Jean Marc von der Weid, membro da Equipe Executiva da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização especializada em agricultura familiar e agroecologia e fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, por trás da evolução dos transgênicos se esconde uma ameaça concreta à soberania alimentar do Brasil: “As desvantagens das plantas transgênicas em comparação com as convencionais, e mais ainda com as agroecológicas, estão cada dia mais fortes e demonstradas. O que sustenta o domínio dos transgênicos em setores da agricultura brasileira não são suas ‘vantagens comparativas’, mas o virtual monopólio da produção de sementes por parte das empresas que controlam a transgenia”, diz.

A postura da atual gestão do Ministério do Meio Ambiente é levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo

Procurado pela Repórter Brasil por telefone e e-mail, o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Roberto Cavalcanti, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a avaliação do ministério acerca do atual estágio de expansão dos transgênicos no país. Um integrante do segundo escalão do ministério, que pede para não ter seu nome revelado, diz que o tema não faz mais parte das prioridades do ministério: “A postura da atual gestão do MMA é claramente a de levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo”, diz.No governo, a disputa interna que colocou de um lado os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), e de outro os ministérios da Agricultura (Mapa) e da Ciência e Tecnologia (MCT) durante todo o governo de Lula (2003-2010) parece ter sido progressivamente ultrapassada pelos fatos: “A expansão dos transgênicos ocorreu basicamente porque foi gerada uma tecnologia que, pela percepção dos produtores, foi vista como algo que poderia resolver muitos problemas que eles tinham. Por essa razão, a área plantada com essa tecnologia avançou rapidamente e, no Brasil, talvez tenha avançado mais rapidamente do que em outros países em termos de tempo e de área. O caso do milho, por exemplo, foi muito marcante. Isso mostra a importância dessa tecnologia para os produtores”, diz Francisco Aragão, responsável pelos estudos sobre transgênicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, órgão subordinado ao Mapa, onde coordena o Laboratório de Genética.

A Aprosoja reconhece que algumas propaladas vantagens da cultura transgênica não se confirmaram na prática: “Depois de muitos anos, a gente considera que a produtividade e o custo de produção entre a soja transgênica e a soja convencional são iguais. Ao longo dos anos, o preço do glifosato subiu, os preços dos produtos do trato convencional baixaram e assim por diante. Não dá para falar que um produto é mais caro ou mais barato que o outro e que produz mais ou menos que o outro. O que diferencia hoje é a bonificação paga ao produtor convencional. Tem gente que está recebendo o que nunca recebeu: até 50 dólares por tonelada de soja convencional. Isso dá um plus de até R$ 5 por saca. Então, é interessante. O produtor pode fazer as contas. É opção dele, utilizar a soja transgênica ou não”, diz Nery Ribas.

Já os que militam contra a chegada de organismos geneticamente modificados sem as devidas medidas de segurança ao mercado brasileiro dizem acreditar que a atual supremacia dos transgênicos pode ser revertida: “A guerra não terminou, embora tenhamos perdidos algumas batalhas. As evidências sobre os riscos dos transgênicos estão cada vez mais numerosas e contundentes, apesar dos imensos gastos das empresas em propaganda para desqualificar e desmoralizar os cientistas independentes. O que ganhamos nesses dez anos de luta contra os transgênicos foi tempo. Ao impedirmos a invasão transgênica simultânea com a ocorrida nos EUA e Argentina, ganhamos a possibilidade de mostrar aos agricultores brasileiros os problemas vividos pelos produtores desses países após os primeiros anos de aparentes vantagens. Isso não impediu a expansão da soja transgênica, mas a freou. Repare que só no Rio Grande do Sul o predomínio é absoluto, enquanto no Centro-Oeste cresce a resistência a esses produtos”, avalia Jean Marc.

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Pedidos em série
Sinônimo de transgênico ao longo dos últimos dez anos no Brasil, a soja modificada deve sua entrada no país ao poder da empresa de origem estadunidense Monsanto. Desde 1997, com a chegada às mãos de agricultores gaúchos dos primeiros grãos da soja transgênica conhecida como “maradona”, contrabandeada da Argentina, a Monsanto soube vender as supostas vantagens produtivas da semente RoundUp Ready, mais conhecida como RR, por ser resistente ao herbicida glifosato, também produzido pela empresa. Apesar dos percalços legais – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu este ano a cobrança de royalties da RR aos produtores por considerá-la abusiva – e mesmo com a concessão de autorização para plantio comercial concedida a produtos desenvolvidos por outras empresas, a Monsanto ainda reina absoluta no mercado brasileiro de transgênicos após uma década da liberação de seu primeiro plantio de soja RR.

Órgão responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) já liberou, além dos produtos da Monsanto, outros três pedidos de comercialização de soja transgênica para as empresas Bayer, Basf e Embrapa. Na próxima safra, a Monsanto lançará no mercado uma nova tecnologia, batizada como Intacta, com o início do plantio programado para a segunda quinzena de setembro, que será duplamente resistente a herbicidas e a insetos. A Monsanto decidiu priorizar essa nova tecnologia no Brasil porque a China, principal consumidora da soja transgênica brasileira, liberou este ano sua comercialização, o que traz perspectivas concretas de seu avanço no mercado internacional.

O objetivo manifestado pela Monsanto é ocupar com a nova cultura 10% da área plantada com soja no Brasil. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), a empresa já está disponibilizando para venda aos produtores cerca de 3 milhões de sacas da Intacta. As cinco variedades de soja transgênica que tiveram sua comercialização autorizada pela CTNBio até hoje são: RR, da Monsanto, em 1998; Cultivance, parceria da alemã Basf com a brasileira Embrapa, em 2009; Liberty Link, da alemã Bayer, em 2010 (duas vezes); e Intacta, da Monsanto, em 2010.

Já a liberação comercial do milho transgênico começou em 2007, com as variedades Liberty Link, desenvolvida pela Bayer, Yield Gard, pela Monsanto, e Bt11, pela transnacional de origem suíça Syngenta. Nos anos seguintes, a CTNBio autorizou a produção para fins comerciais de outras 15 variedades de milho transgênico, desenvolvidas por essas três empresas e também pelas estadunidenses DuPont e Dow Agrosciences.

A primeira variedade de algodão transgênico a ter sua produção para fins comerciais autorizada no Brasil foi o Bolgard I, desenvolvido pela Monsanto. Aprovada em 2005, a semente geneticamente modificada também é conhecida como algodão B.t, pois resulta em plantas adicionadas com genes do Bacillus thuringienses, que produzem toxinas com poder inseticida e se tornam resistentes a pragas como o bicudo e a lagarta. Até hoje, a CTNBio já autorizou a comercialização de outras 11 variedades de algodão transgênico, produzidas pelas empresas Bayer e Dow Agrosciences, além da própria Monsanto.

Contaminação
O avanço dos transgênicos no Brasil é acelerado, mas os ambientalistas ainda têm esperança de reverter o cenário atual: “A questão vital para ganhar a batalha no futuro é garantir a produção de sementes não transgênicas e reverter a interpretação legal que faz hoje de um agricultor convencional contaminado por seu vizinho produtor de transgênicos um pirata dos direitos da Monsanto e sujeito a processos e multas. Essa legislação é um dos maiores fatores para o predomínio da Monsanto e outras empresas do gênero, pois permite uma estratégia de dominar pela contaminação e pelo controle da produção de sementes. O agricultor que não quer plantar transgênicos acaba desistindo ao ter de pagar seguidas multas quando sua produção é contaminada”, diz Jean Marc von der Weid, para quem “não seria sequer necessário mudar a interpretação da lei de patentes, mas aplicá-la com rigor”.

O primeiro passo, diz o dirigente da AS-PTA, é regulamentar a cobrança de multas aos agricultores convencionais que têm suas lavouras contaminadas e acabam tachados como piratas da tecnologia transgênica: “Se as empresas fossem obrigadas a cobrar dos agricultores ‘piratas’ apenas a parte transgênica da sua produção, o agricultor contaminado não pagaria mais do que 3% a 5 % de multa, e não os 100% hoje cobrados. A questão é que o teste de transgenia usado pelos fiscais apenas indica se existe mais do que 1% de transgênicos no lote examinado. Com isso, a cobrança é feita como se houvesse 100% de transgênicos no lote. Se a Monsanto for obrigada – e nós vamos à Justiça para provocar uma decisão – a usar um teste que defina com precisão quanto de cada lote é constituído por transgênicos, esse instrumento de constrangimento aos agricultores vai desaparecer”, aposta.

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