Transgênicos – transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil Mon, 24 Apr 2017 17:29:12 +0000 pt-BR hourly 1 Brasil pode liberar veneno mais tóxico para lavouras transgênicas https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/brasil-pode-liberar-veneno-mais-toxico-para-lavouras-transgenicas/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/brasil-pode-liberar-veneno-mais-toxico-para-lavouras-transgenicas/#comments Mon, 13 Jan 2014 17:49:25 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=124 MPF aconselha CTNBio a realizar mais testes que comprovem a segurança do veneno  2,4D, um dos principais componentes do agente laranja, usado como arma química no Vietnã

Por Maurício Thuswohl

Após uma década ao longo da qual o herbicida glifosato reinou absoluto nas lavouras transgênicas espalhadas pelo Brasil, a chegada de um novo produto, mais tóxico e com maior potencial de contaminação, coloca em alerta setores da sociedade e já é objeto de um inquérito civil por parte do Ministério Público Federal (MPF). Um dos principais componentes do tristemente célebre agente laranja, usado pelos Estados Unidos como arma letal contra civis durante a Guerra do Vietnã, o veneno conhecido como 2,4D pode ser uma realidade já na atual safra brasileira, em lavouras de soja e milho geneticamente modificadas para resistirem à aplicação do produto. Responsável pela possível liberação de três pedidos de plantio comercial relativos ao 2,4D – que seriam analisados em outubro – a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi aconselhada pelo MPF a realizar mais testes que comprovem a segurança do produto para a saúde e o meio ambiente.

Plantação de soja próxima a São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Foto: Daniel Santini

Plantação de soja próxima a São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Foto: Daniel Santini

Também instada pelo MPF a realizar uma audiência pública na qual a utilização do 2,4D fosse debatida de forma mais ampla pela sociedade civil, a CTNBio não acatou a orientação. Por isso, o MPF optou por organizar sozinho, em Brasília, uma audiência pública, realizada em 12 de dezembro, que contou com dezenas de representantes das organizações socioambientalistas, da academia e dos ministérios e agências reguladoras do governo federal, além de integrantes da própria CTNBio. Foram debatidos os riscos de contaminação de sementes crioulas pelas sementes geneticamente modificadas e de aumento do consumo de agrotóxicos no Brasil. A falta de mecanismos adequados para o monitoramento da cadeia de transgênicos no país também foi motivo de debate, além da pouca confiabilidade dos estudos, em sua maioria realizados pelas próprias empresas transnacionais que controlam a transgenia, levados em conta pela CTNBio no momento de decidir pelas liberações comerciais.

Em conversa exclusiva com a Repórter Brasil, após a realização da audiência pública, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, responsável pela condução do inquérito civil, faz um balanço positivo do debate e destaca que a CTNBio, embora não tenha respondido à solicitação do MPF, acabou não mais liberando nenhuma planta associada ao produto. Ele acredita que a decisão sobre a utilização do 2,4D ficará para este ano. O procurador também critica os mecanismos de controle e monitoramento hoje existentes no Brasil, tanto no que diz respeito aos testes acatados pela CTNBio quanto à cadeia de transgênicos em geral. Leia a seguir a íntegra da entrevista com Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

O que motivou a investigação realizada pelo Ministério Público Federal a respeito da liberação comercial de plantas transgênicas resistentes ao agrotóxico 2,4D? Quanto tempo durará o inquérito e quais seus possíveis desdobramentos?

O que motivou a investigação foi uma denúncia, realizada em reunião por alguns membros da CTNBio e vários outros pesquisadores, que denunciavam que a CTNBio estava na iminência de liberar alguns transgênicos de soja e milho resistentes a um herbicida muito perigoso – o 2,4D, que já foi usado na Guerra do Vietnã na composição do agente laranja – e que esta liberação estaria se dando de forma muito açodada e sem que todos os estudos necessários abordassem os temas que seriam pertinentes. Então, para verificar se realmente isso estava ocorrendo, decidimos abrir em setembro um inquérito civil. Em tese, a duração dele é de um ano. O inquérito pode ser prorrogado por mais um ano, se isso se mostrar necessário, mas, em princípio, a duração dele é de um ano. Como desdobramento, nós poderemos fazer alguma recomendação à CTNBio ou mesmo ajuizar ação no que diz respeito aos processos que estão sendo examinados.

A CTNBio foi notificada pelo Ministério Público Federal para que interrompesse os testes? Qual foi a reação?

Não foi pedido que ela parasse com os testes, e sim que continuasse com os estudos e os testes, mas por enquanto não liberasse comercialmente o produto. Nós solicitamos que não houvesse a liberação comercial e, com base no Artigo 15 da Lei de Biossegurança, que trata da CTNBio, pedimos também que eles realizassem uma audiência pública para que fosse feita uma discussão mais ampla e mais global a respeito dos impactos diretos e indiretos relacionados a essas sementes. A CTNBio se negou a realizar essa audiência pública, foi isso que motivou o MPF a realizar a audiência por conta própria. Nessa audiência que se realizou, nós chamamos vários atores da sociedade civil e das instituições públicas, e a própria CTNBio se fez presente através de vários de seus membros.

A CTNBio é obrigada a acatar essa recomendação de não mais liberar plantas que tenham relação com o 2,4D?

Na verdade, não colocamos isso como uma ordem, mas sim como uma solicitação. De toda forma, ainda que a CTNBio não se manifestasse expressamente sobre essa questão da suspensão das liberações, na prática ela acabou por não realizar liberações em 2013. Essa discussão ficou para 2014.

Existem muitas críticas à falta de dados consistentes nos testes – bancados e realizados, em sua maioria, pelas próprias empresas do setor – que têm embasado as decisões da CTNBio quanto à liberação de transgênicos. O MPF considera suficientes os dados e informações trazidos por esses testes? Onde estão as maiores lacunas?

Esses testes são realizados pelas próprias empresas, até porque o grau de profundidade tecnológica do estudo dá a dimensão de que realmente é muito difícil fazer estudos independentes a respeito desse tipo de tecnologia que envolve, inclusive, matéria de sigilo e matéria de patente. No caso do 2,4D, existe a denúncia por parte de vários pesquisadores de que a perspectiva do estudo teria sido reduzida e que ele não teria abordado vários aspectos necessários do que seria realmente importante trazer para decidir de forma mais consciente a liberação. Isso foi discutido na audiência pública, mas não há ainda uma conclusão muito clara a respeito desse tema.

O Brasil é campeão mundial do consumo de agrotóxicos. Já foi realizado algum cálculo sobre qual será o impacto da eventual liberação do 2,4D na expansão do mercado de agrotóxicos no país?

Isso não foi feito. Nós pedimos que isso fosse avaliado e que houvesse um prognóstico do aumento de consumo de 2,4D incentivado pela liberação das sementes transgênicas, mas até o momento não há nenhum dado científico que demonstre isso. Durante a audiência pública, a representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que existiria um espaço de crescimento de consumo de 2,4D no Brasil de até quatro vezes, um aumento de 300%. Mas, apesar desse posicionamento da Anvisa, não há nenhum estudo que demonstre concretamente qual será o aumento do consumo do 2,4D no Brasil caso haja essas liberações.

O processo de decisão sobre a liberação de transgênicos no Brasil, na forma como vem ocorrendo na última década, significa desrespeito a direitos humanos fundamentais?

Até o presente momento, eu não posso afirmar que houve esse desrespeito. O que eu posso afirmar é que o MPF está abordando o tema desde essa lógica e essa perspectiva. Isto é, nós estamos investigando para ver se os direitos humanos fundamentais à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente equilibrado e sadio estão sendo respeitados. Se nós concluirmos que esses direitos são desrespeitados, aí sim nós iremos tomar as medidas legais cabíveis.

Convite da audiência pública, realizada em 12 de dezembro, pelo MPF

Convite da audiência pública, realizada em 12 de dezembro, pelo MPF

A fiscalização sobre os testes que são levados em conta pela CTNBio é realizada de maneira satisfatória? A Anvisa cumpre bem o seu papel?

Isso também foi discutido na audiência pública. Dá para perceber que existe, digamos assim, uma distância muito grande entre aquilo que é produzido como estudo pelas empresas e seus pesquisadores contratados e depois apresentado à CTNBio e aquilo que realmente se consegue fazer de forma independente e paralela como contraprova dos resultados apresentados. Em tese, de toda forma, o controle tecnológico e científico desses resultados deveria ser feito pela CTNBio. O papel da Anvisa é outro, diz respeito ao registro e controle de herbicidas. A CTNBio vai estudar – e fazer a liberação, se for o caso – das sementes transgênicas. É lógico que existe aí um campo intermediário que diz respeito à própria interação das sementes transgênicas com o herbicida, mas, infelizmente, nem um órgão nem o outro acaba alcançando essas interações. Existe um espaço cinzento e nenhuma instituição acaba assumindo o papel de fazer esse controle.

Praticamente inexistem no Brasil de hoje mecanismos de monitoramento e controle da produção e comercialização de transgênicos. É possível exigir do governo que coloque em prática tais mecanismos?

Existem processos de monitoramento, como determina a lei, realizados pela CTNBio. A própria pauta de trabalho das reuniões da CTNBio demonstra que existem alguns processos sobre os quais eles realizam monitoramento. A questão é saber se o monitoramento está sendo feito de forma suficientemente correta e adequada ou não. Alguns críticos do trabalho da CTNBio afirmam de forma bastante veemente que esse monitoramento é insuficiente e meramente formal. Mas o MPF por enquanto não pode afirmar isso, não há dados para que possamos fazer essa afirmação.

Qual balanço faz o MPF sobre a Audiência Pública? O que a pode ser feito daqui pra frente para aprofundar essa discussão na sociedade civil?

Os focos da audiência foram os impactos diretos e indiretos relacionados à liberação dos transgênicos e também a questão da interação química, metabólica e biológica entre as sementes geneticamente modificadas e os herbicidas. Também foram discutidas a questão propriamente dita da reavaliação toxicológica do 2,4D, a acumulação de efeitos dos herbicidas e a sinergia e acumulação proporcionadas principalmente pela possível liberação das sementes transgênicas. Foi abordada também a metodologia de analise desses temas pela CTNBio, além de outros temas toxicológicos. O balanço que eu faço é muito bom. Acho que a gente conseguiu produzir muito conhecimento e obter muitas informações. Dezenas de pessoas – entre professores, pesquisadores e pessoas que trabalham no campo – tiveram a possibilidade de se manifestar a respeito de todos esses temas. Isso trouxe um resultado bastante plural e, nesse sentido, a audiência pública alcançou o objetivo democrático que ela se estipulou.

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Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/embrapa-ja-tem-alimentos-transgenicos-liberados-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/embrapa-ja-tem-alimentos-transgenicos-liberados-2/#comments Fri, 15 Nov 2013 11:40:40 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=67 Feijão geneticamente modificado pode garantir segurança alimentar, diz a empresa estatal, mas agricultores familiares alertam que sementes crioulas podem ser prejudicadas

Por Maurício Thuswohl

Desenvolver tecnologia nacional para a produção de plantas transgênicas, de modo a reduzir a dependência que os produtores brasileiros têm hoje das empresas transnacionais que controlam sementes e patentes, e buscar a inovação tecnológica em transgenia que não esteja voltada exclusivamente para o aumento da produtividade e a geração de lucros, criando plantas e alimentos modificados voltados ao bem-estar da população. Esse é o objetivo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), segundo o próprio órgão.

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Subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Embrapa desenvolve atualmente pesquisas e projetos sobre transgênicos de produtos como algodão, soja, milho, cana-de-açúcar, tomate, mamão e hortaliças, além de estudar novas tecnologias que podem dentro de alguns anos surtir um impacto positivo na redução dos riscos relativos ao consumo de alimentos geneticamente modificados.

Mas tais pesquisas sofrem críticas de pequenos agricultores brasileiros, especialmente os articulados em torno da Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), rede que atua na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida do Nordeste brasileiro. Para eles, os estudos podem comprometer seriamente a variedade genética das sementes crioulas desenvolvidas pela agricultura familiar.

A Embrapa já teve dois pedidos de plantio de transgênicos para fins comerciais aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O primeiro deles, aprovado em 2009, é relativo à soja transgênica Cultivance, desenvolvida em parceria com a empresa alemã Basf para tolerância aos herbicidas da classe das imidazolinonas. O projeto mais importante da Embrapa, no entanto, é o feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente à praga do mosaico dourado, que foi desenvolvido exclusivamente pela empresa brasileira, aprovado pela CTNBio em 2011 e já está na fase de testes de campo, com previsão de chegar à mesa do consumidor em dois anos.

Cultivo de feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente ao vírus do mosaico dourado (Foto: Francisco Aragão/Embrapa)

Cultivo de feijão transgênico Embrapa 5.1, resistente ao vírus do mosaico dourado (Foto: Francisco Aragão/Embrapa)

Feijão
Responsável pelo Laboratório de Genética da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o cientista Francisco Aragão lembra que, fora dos Estados Unidos, o feijão da Embrapa é a segunda planta transgênica desenvolvida por uma instituição pública em todo o mundo: “O feijão foi desenvolvido para resolver um problema que os programas de melhoramento tentam solucionar pelos métodos convencionais há mais de 40 anos: obter uma planta que seja imune ao mosaico dourado. Essa doença é causada por um vírus, e tem sido muito difícil encontrar nos bancos de germoplasma uma resistência a ele que seja possível transferir para as variedades comerciais de feijão. Nós resolvemos usar a engenharia genética para tentar solucionar esse problema, e foi gerada uma planta imune ao vírus do mosaico dourado”, conta.

Nós resolvemos usar a engenharia genética para tentar solucionar esse problema, e foi gerada uma planta imune ao vírus do mosaico dourado

 

Aragão ressalta o fato de o feijão ser um alimento simbólico para o povo brasileiro e de que um eventual aumento de sua produtividade em território nacional teria impacto direto sobre o bem-estar da população: “O primeiro pilar da segurança alimentar é a disponibilidade de comida, e o segundo é a condição de ter acesso a essa comida. Os programas do governo visam resolver os problemas do segundo pilar, mas este depende também de preço. Se o alimento estiver caro, não há Bolsa-Família que resolva. O Brasil é hoje importador de feijão, e o preço do feijão a cada ano tem picos e dispara a níveis intoleráveis. Este ano, em alguns lugares, variou entre R$ 7 e R$ 10 o quilo, um valor completamente fora da realidade das pessoas de baixa renda. Isso gera insegurança alimentar”, diz.

Críticas
Os agricultores familiares do Nordeste, porém, questionam duramente a iniciativa da Embrapa. Para eles, o feijão geneticamente modificado representa uma ameaça a suas variedades crioulas, que se adaptam a cada situação de clima e solo e não têm custo de produção. Na opinião dos pequenos produtores, a empresa estatal não poderia basear suas pesquisas na produtividade e deveria focar seus estudos justamente nas sementes crioulas, ajudando a conservar esse patrimônio genético.

Em julho de 2011, agricultores reunidos em Maceió (AL) para o II Encontro Nacional de Sementes divulgaram uma moção contra a liberação do feijão transgênico Embrapa 5.1, possibilidade que estava sendo analisada pela CTNBio. No documento, eles classificavam a provável liberação “uma grave ameaça à segurança e à soberania alimentar e à agrobiodiversidade”. “Reafirmamos que não precisamos dessa tecnologia para seguir produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, como demonstram milhares de experiências desenvolvidas por todo o semiárido brasileiro. Em nossos bancos e casas de sementes temos mantido centenas de variedades de feijão, adaptadas às nossas condições climáticas e às necessidades de nossas famílias, as sementes da resistência e da paixão”, diz o texto.

Reafirmamos que não precisamos dessa tecnologia para seguir produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos

 

De acordo com o calendário estabelecido pela Embrapa, no entanto, o feijão transgênico poderá estar no prato dos brasileiros já em 2015, assim que sejam concluídas todas as etapas necessárias à sua completa liberação e produção em escala: “Depois de o feijão ter sido aprovado pela CTNBio em 2011, foi preciso registrar as variedades. Aí, é preciso seguir as normas do Ministério da Agricultura, que exige vários ensaios nacionais para análise agronômica das novas variedades. Esses ensaios começaram em 2012, e em 2013 se completará o segundo ano de ensaios. Provavelmente, em 2014 deveremos obter as sementes, já que são várias fases de testes com sementes. Nós temos a expectativa de que em 2015 o feijão transgênico passe a ser cultivado”, diz o técnico da Embrapa.De acordo com a moção, não haviam sido realizados estudos de avaliação de risco nos biomas das regiões Norte e Nordeste, locais de grande diversidade de sementes crioulas de feijão, nem pesquisas suficientes sobre os riscos de contaminação genética. “Sabemos que a própria Embrapa possui pesquisas com agricultura orgânica, que demonstram a possibilidade de combate ao vírus do mosaico dourado, transmitido pela mosca branca, sem que seja necessário o uso de agrotóxicos e de transgenia.”

Novos transgênicos
Para os próximos anos, a Embrapa tem a expectativa de dar entrada em vários outros pedidos de liberação para plantio de transgênicos junto à CTNBio. Segundo Francisco Aragão, a empresa tem trabalhado com “as principais culturas que interessam ao Brasil” em suas pesquisas: “Algodão, soja, algumas hortaliças, cana e milho. Essas são as principais culturas com as quais a Embrapa tem trabalhos mais avançados. Provavelmente, deverá haver interesse em outras plantas, como o trigo, por exemplo, e também em fruteiras como o mamão. Mas ainda não existe nenhuma dessas tecnologias sendo avaliada do ponto de vista da biossegurança, que seria o passo final para um pedido de liberação comercial”, diz. Aragão ressalta que existem algumas tecnologias já mais desenvolvidas pela Embrapa: “Foram geradas duas alfaces: uma que tem 15 vezes mais ácido fólico que uma alface convencional e outra que produz uma proteína que pode ser usada em um kit para diagnosticar o vírus da dengue”.

Segundo ele, a possibilidade de mirar o benefício do consumidor, e não somente o aumento da produtividade e o lucro, guarda o potencial de transformar, ao menos em parte, o mercado de transgênicos: “É evidente que o foco ainda é no produtor. Mas, hoje em dia, por causa da engenharia genética, o desenvolvimento de transgênicos que tragam benefícios aos consumidores pouco a pouco vem avançando em paralelo para desenvolver estratégias para o consumidor e até utilizar as plantas como veículo para a produção de fármacos e de vitaminas das quais a população é carente”, diz Aragão.

As pesquisas nesse sentido, diz o técnico da Embrapa, se multiplicam: “Já existem hoje vários produtos com proteínas, utilizadas principalmente em diagnose, que são produzidas em plantas. Também já estão sendo realizados exames clínicos para analisar produtos farmacêuticos produzidos em plantas. Já começam a surgir vários exemplos de plantas transgênicas biofortificadas com vitaminas como, por exemplo, o arroz dourado, que é rico em vitamina A. Existem também outras plantas, que provavelmente irão surgir, com maior teor de ferro, zinco etc.”, aposta.

A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia desenvolve outra tecnologia que deve causar impacto. Patenteada em maio deste ano, a tecnologia promete eliminar a manifestação da transgenia em frutos e sementes, o que de acordo com a empresa praticamente eliminaria também seus riscos na alimentação humana, já que a planta continua sendo transgênica, mas a parte consumida na alimentação não. Outra vantagem dos novos transgênicos pesquisados seria o fato de preservarem fungos e parasitas que são benéficos à planta, ao contrário da tecnologia utilizada atualmente, que elimina igualmente os organismos benéficos e os maléficos. Inicialmente testada em variedades de soja, cana-de-açúcar e tomate, a nova tecnologia deverá chegar ao mercado em 2020, segundo a expectativa da Embrapa.

Parcerias
Para desenvolver seus trabalhos sobre transgênicos, a Embrapa aposta também nas parcerias firmadas no Brasil e no exterior. A empresa tem como parceiros brasileiros a Fundação Oswaldo Cruz, para o desenvolvimento de fitoterápicos, entre outros, e a Universidade de Campinas (Unicamp), que abrigará em seu Parque Tecnológico uma unidade mista de pesquisa para desenvolver trabalhos sobre cultivares transgênicos de grande interesse comercial, principalmente o milho: “Com as parcerias, a Embrapa busca gerar tecnologias que sejam interessantes para a Embrapa e para o Brasil”, diz Francisco Aragão.

Segundo ele, existem acordos firmados com empresas privadas e com universidades do Brasil e do exterior: “A Embrapa tem um leque muito grande de parcerias, principalmente com instituições públicas e suas correlatas no Japão, Estados Unidos e Europa. Mais recentemente, tem gerado parcerias até com instituições africanas e latino-americanas. São acordos diversos e para distintos interesses”, diz.

Hoje existe um interesse cada vez maior em gerar plantas tolerantes ao calor, à seca e ao solo salino, muito comuns na Região Nordeste

 

Em sua maioria, destaca Aragão, as linhas de pesquisa desenvolvidas pela Embrapa junto às universidades brasileiras buscam criar transgênicos que possam colaborar para solucionar problemas nacionais: “Hoje existe um interesse cada vez maior em gerar plantas tolerantes ao calor, à seca e ao solo salino, muito comuns na Região Nordeste. A perspectiva é que esses problemas fiquem cada vez mais graves à medida que será preciso manter ou até aumentar a produtividade, mas usando cada vez menos água, cuja escassez já é um fator limitante para a agricultura. Para cada metro cúbico de água gasto por pessoa nos ambientes urbanos, gasta-se dezenas de metros cúbicos na agricultura. Os transgênicos podem mudar essa realidade no futuro”, diz.

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Por Maurício Thuswohl

Ganhar corações e mentes na comunidade científica parece tornar mais fácil o objetivo estratégico de expansão global traçado pelas grandes empresas do setor de transgenia. A estadunidense Monsanto, por exemplo, que afirma investir 2 milhões de dólares por dia em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, destina boa parte dessa verba a parcerias firmadas com universidades e outras instituições científicas públicas ou privadas e a estudos coordenados por cientistas e pesquisadores em diversos países. Outra gigante do setor agrícola, a alemã Bayer anunciou ter realizado em 2010 investimentos de 722 milhões de euros em pesquisas sobre sementes, parte deste montante também direcionado ao apoio a estudos e outras formas de parceria com a comunidade científica e seus representantes.

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Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados

No Brasil, esse modus operandi vem tendo nos últimos anos reflexos claros sobre a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão criado com a aprovação da primeira Lei de Biossegurança em 1995 e que passou a exercer plenamente suas prerrogativas dez anos depois, com a aprovação da nova lei. Desde então, a CTNBio é responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no país e também é alvo da oposição do movimento socioambientalista por causa da facilidade com que os pedidos de liberação feitos pelas seis empresas conhecidas como Gene Giants (Gigantes da Genética) são acatados pela maioria dos seus integrantes.

Essa facilidade, segundo os ambientalistas, pode ser explicada pelo fato de que vários de seus membros são direta ou indiretamente ligados às empresas. “Parte da CTNBio é composta por membros que são ligados a empresas de biotecnologia”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-integrante da Comissão: “A indicação para a CTNBio é feita por setores do governo que estão alinhados com essas empresas e lá dentro, lamentavelmente, não existe espaço para o debate científico. Muitos daqueles técnicos que estão lá não são cientistas e têm uma visão reducionista, linear e cartesiana que acha que, se há um problema com a praga tal, você aplica o transgênico xis e está tudo resolvido. Mas a questão ecológica não é tão simples”, diz.

Ativistas do Greenpeace fazem protesto, no Ministério da Ciência e Tecnologia, contra a liberação de alimentos transgênicos (Foto: Roosewelt Pinheiro/Abr)

Ativistas do Greenpeace fazem protesto, no Ministério da Ciência e Tecnologia, contra a liberação de alimentos transgênicos (Foto: Roosewelt Pinheiro/Abr)

[Na CNTBio] não há debate, os pró-transgênicos nem escutam ou leem as avaliações críticas

 

“Não há na CTNBio nenhuma avaliação dos conflitos de interesses, e o governo não se preocupa com isso. Se quiséssemos uma avaliação isenta, os cientistas membros não poderiam participar de pesquisas de desenvolvimento de transgênicos, pois são parte interessada nas liberações. O princípio adotado é não criar problemas com as liberações de hoje para que amanhã não se criem problemas para a liberação dos projetos que os cientistas estão desenvolvendo”, continua Jean Marc.Dirigente da organização Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid diz que a CTNBio tem atuação claramente pró-transgênicos: “A maioria de seus cientistas simplesmente se recusa a analisar qualquer dossiê critico à liberação dos transgênicos, por mais sólido que seja. Não há debate, os pró-transgênicos nem escutam ou leem as avaliações críticas. Limitam-se a votar a favor das liberações. Esse comportamento irresponsável está devidamente registrado nos anais da CTNBio e servirá um dia para processar esses cientistas”, aposta.

Advogado da organização Terra de Direitos, Darci Frigo aponta outro problema: “A CTNBio aceita as pesquisas apresentadas pelas empresas, e estas hoje já estão sendo questionadas porque são sempre pesquisas de curto prazo e as condições de monitoramento impostas são absolutamente insuficientes e não vão garantir que não haja a contaminação genética”, diz.

A CTNBio, segundo o ambientalista, tem responsabilidade pela contaminação das lavouras convencionais: “Especialmente aquele núcleo da CTNBio que aprova todos os produtos que aparecem por lá apresentados pelas empresas. Nunca os questionam, nem sequer pedem mais pesquisas. Isso é muito grave, porque uma coisa é você dizer que acredita naquela tecnologia, mas ainda assim querer ter mais segurança sobre ela. Isso seria natural. Mas eles jamais pedem novas pesquisas”, diz Frigo.

Perfil
A solução seria a mudança do perfil da Comissão: “Os membros da CTNBio estão lá, segundo a lei, para avaliar os riscos e, portanto, deveriam ser especialistas na avaliação de riscos e não especialistas no desenvolvimento de transgênicos. Se você perguntar a qualquer um deles se acha que os transgênicos podem ter qualquer risco, ele dirá que não e que não deveria haver qualquer restrição ou avaliação, por serem inúteis e desnecessárias. Vários deles já se manifestaram nesse sentido e deveriam ter sido afastados da CTNBio, pois o papel de quem está lá é avaliar riscos e não negá-los a priori”, diz Jean Marc Von der Weid.

Paulo Brack também defende a mudança do perfil dos integrantes da CTNBio: “Não estou generalizando, mas alguns dos membros que estão lá são pessoas que não têm sensibilidade social e estão realmente alinhados com essas empresas. Esse conflito de interesses não poderia ser permitido. A CTNBio extrapolou. A nova Lei de Biossegurança deu um poder excepcional à esta comissão, acima até mesmo do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde. Isso piorou ainda mais em 2007, quando se decidiu que passaria a tomar decisões por maioria simples e não mais por dois terços dos votos de seus membros”, diz.

Para Darci Frigo, o perfil da CTNBio já começa a ser moldado na comunidade científica antes mesmo de seus representantes integrarem seus quadros: “O problema é que se dissemina no mundo acadêmico a ideia de que a transgenia é um paradigma que veio para se instalar. Esse paradigma está presente em todos os lares, é defendido como se fosse uma coisa intocável, e aí muitos cientistas também já vão para a CTNBio com esse posicionamento ideológico praticamente formado e acham que essa tecnologia é uma tecnologia que não se discute”, diz.

Há outros que fazem pesquisas para as empresas – que financiam a maioria das pesquisas nessas áreas – e acabam depois sendo membros da CTNBio

 

Os ambientalistas querem mais acesso às informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelas empresas: “Um dos métodos da CTNBio é manter sigilo sobre as partes da pesquisa que seriam tratadas como segredo industrial. Aí, eles na verdade querem sigilo sobre todo o processo e acabam não apresentando elementos que os cientistas possam de fato avaliar para saber se aquele produto pode causar danos ao meio ambiente ou à saúde”, fiz Frigo.Frigo critica também o “pretenso cientificismo que às vezes leva muitos desses pesquisadores a terem um posicionamento não crítico em relação à tecnologia transgênica” e cita casos de ligação mais direta com as empresas do setor: “Há outros que fazem pesquisas para as empresas – que financiam a maioria das pesquisas nessas áreas – e acabam depois sendo membros da CTNBio. Mas, mesmo não tendo feito pesquisas, o mais impressionante é que não questionam as pesquisas das empresas, nem os métodos utilizados. Enquanto isso, há cientistas de fora que dizem que a empresa apresentou uma parte da pesquisa e omitiu outra parte que poderia revelar variações na área de microbiologia ou que a aplicação daquela mudança genética no produto depois poderia gerar mutações”.

A CTNBio avalia fundamentalmente os estudos feitos pelas empresas, que dizem que os produtos são bons

 

A cisão na CTNBio, segundo Melgarejo, é clara: “Na maior parte dos casos em que eu participei, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento Agrário têm dito que esses estudos não são suficientes, que mais pesquisas são necessárias. Mas outros membros da CTNBio, representantes do Ministério da Agricultura, do Ministério da Indústria e Comércio e do Ministério das Relações Exteriores, entre outros, têm dito que os estudos produzidos pelas empresas são suficientes. E, como esses estudos atestam que os transgênicos não causam problemas, a CTNBio por maioria tem aprovado todos os pedidos que vem entrando para a liberação dos transgênicos no Brasil”.Cisão
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na CTNBio, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo disse, em entrevista ao site da Jornada de Agroecologia, realizada em agosto, o que vê no dia a dia da Comissão: “A CTNBio avalia os pedidos que as empresas encaminham, os estudos que as empresas produzem. Portanto, a Comissão avalia fundamentalmente os estudos feitos pelas empresas, que dizem que os produtos são bons, que não fazem mal e que são interessantes para o Brasil, concluindo, com base na opinião da maioria dos membros, se aqueles estudos são suficientes ou não”.

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Empresas ainda lutam para evitar a rotulagem de transgênicos no Brasil https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/empresas-ainda-lutam-para-evitar-a-rotulagem-de-transgenicos-no-brasil-2/#comments Wed, 13 Nov 2013 17:12:08 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=62 Produtos contendo organismos geneticamente modificados são vendidos em todo o país sem qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização
Por Maurício Thuswohl

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

Empresas que comercializam produtos com ingredientes transgênicos evitam rotulação

É apenas uma letra “T” pintada em preto sobre um pequeno triangulo amarelo fixado nas embalagens, mas as empresas que comercializam produtos que contêm ingredientes transgênicos fogem desse símbolo como o diabo foge da cruz. Regulamentada em março de 2004, nove meses após a autorização do primeiro plantio comercial de soja transgênica no Brasil, a rotulagem ainda é uma meia-realidade no país.

Se, por um lado, produtos com maior visibilidade, como os óleos de soja ou os biscoitos à base de milho processado das marcas líderes, já são rotulados há algum tempo, outros produtos contendo transgênicos circulam pelo território nacional sem que haja qualquer identificação ou controle suficiente por parte dos órgãos de fiscalização. Ao mesmo tempo, as empresas se valem de parlamentares ligados ao agronegócio para tentar aprovar no Congresso Nacional leis com o intuito de reverter a obrigatoriedade de rotulagem ou, ao menos, suavizá-la.

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A primeira menção à rotulagem de produtos transgênicos no Brasil foi feita no Decreto Presidencial 4.680, que se seguiu à Medida Provisória 113, editada em abril de 2003 pelo governo federal para regularizar a situação dos agricultores gaúchos que haviam plantado ilegalmente naquela safra a soja RR, desenvolvida pela transnacional Monsanto. Ao editar a MP, o governo exigiu que todos os produtos obtidos a partir da soja modificada fossem identificados como tais, desde que detectada uma presença de componentes transgênicos superior a 1% do volume total do alimento vendido, seja para consumo humano ou animal. Três dias após a publicação da MP, no entanto, o próprio Ministério da Agricultura admitiu que o governo ainda não tinha meios para fiscalizar a rotulagem. Esta só viria a ser regulamentada em março de 2004 pelo Ministério da Justiça, que publicou portaria criando o célebre símbolo triangular com a letra “T” em seu interior.

A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa

A resistência das empresas do setor alimentício foi além da retórica, e a maioria simplesmente ignorou a determinação. Isso começou a mudar em 2005, depois que as organizações Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Greenpeace denunciaram que as transnacionais Bunge (Holanda) e Cargill (EUA) utilizavam transgênicos na produção de suas marcas de óleo de soja Soya e Liza, líderes no mercado brasileiro, sem que estas fossem rotuladas. As denúncias, comprovadas pelas investigações do Ministério Público Federal, fez que a Justiça Federal obrigasse as duas empresas a rotular seus produtos com o símbolo dos transgênicos, o que começou a ser feito em 2008.As primeiras fiscalizações, efetuadas pela Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, só vieram a ocorrer de fato em outubro de 2004, por meio de testes realizados em amostras de 294 produtos recolhidos em vários estados. Sintomaticamente, no entanto, jamais foram flagrados pelos fiscais casos de produtos contendo transgênicos. À evidente falta de capacidade de fiscalização do governo, aliava-se a pouca vontade das grandes empresas dos setor de alimentos em aderir à rotulagem: “A indústria não quer unir sua marca a um alerta, como se seu produto fosse uma coisa perigosa. O tal símbolo incomoda: não é informação, é um alerta. Incomoda também a tolerância de apenas 1%. Gostaríamos que fosse 4%”, disse, à época, o diretor jurídico da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), Paulo Nicolellis.

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Óleo de soja da Cargill, uma das empresas obrigadas a rotular o produto com o símbolo dos transgênicos (Foto: Stefano Wrobleski)

Desde 2007, no entanto, parlamentares ligados ao agronegócio, à indústria da alimentação ou ao setor de transgenia começaram a apresentar projetos de lei com o objetivo de criar uma nova legislação para a rotulagem. Naquele ano, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), então no DEM, tentou aprovar, sem sucesso, um Projeto de Decreto Legislativo para acabar com a obrigação do uso do símbolo triangular amarelo com a letra “T”, tão temido pelos ruralistas.

Obrigatoriedade
A principal iniciativa para flexibilizar a medida foi apresentada em 2008 pelo deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS) e incluída desde 2011 na pauta do plenário da Câmara dos Deputados, onde aguarda votação. O PL 4.148 tem como principais objetivos: a) deixar de exigir a obrigatoriedade da informação sobre a presença de transgênicos no rótulo do produto desde que não seja possível sua detecção pelos métodos laboratoriais (regra que excluiria da rotulagem alimentos como papinhas de bebês, óleos, bolachas e margarinas); b) desobrigar a rotulagem dos alimentos com origem em animais alimentados com ração transgênica; c) excluir o símbolo com o triângulo amarelo e a letra “T’ que hoje permite a identificação do produto transgênico; d) tornar facultativa a informação no rótulo quanto à espécie doadora do gene transgênico.

Em carta de repúdio enviada ao Congresso Nacional, diversas organizações do movimento socioambientalista brasileiro afirmam que o PL 4.148/08, ao mesmo tempo, fere o Código de Defesa do Consumidor, revoga o Decreto de Rotulagem (4.680/03), contraria a Lei de Biossegurança aprovada em 2005 e descumpre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil como signatário do Protocolo de Cartagena da ONU. No documento, os ambientalistas afirmam que a tentativa de alterar a lei “prejudica o controle adequado dos transgênicos, já que a rotulagem é medida de saúde pública relevante para permitir o monitoramento pós-introdução no mercado e pesquisas sobre os impactos na saúde” e “viola o direito dos agricultores e das empresas alimentícias que optam por produzir alimentos isentos de ingredientes transgênicos”.

Além disso, a carta assinada por organizações como Idec, Greenpeace, Articulação Nacional de Agroecologia, Campanha Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, Terra de Direitos e Via Campesina, entre outras, afirma que um relaxamento definitivo na rotulagem dos transgênicos no país “pode impactar fortemente as exportações, na medida em que a rejeição às espécies transgênicas em vários países que importam alimentos do Brasil é grande”.

A pressão surtiu efeito, e o PL 4.148/08 adormeceu por algum tempo nas gavetas da Mesa Diretora da Câmara até que a discussão em torno dele foi retomada em dezembro de 2012, em regime de urgência: “Fizemos nova campanha para barrar esse PL, com um bom corpo de assinaturas. Enviamos e-mails diretamente para presidentes de partidos, líderes de bancada, frentes parlamentares e integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [Consea]. A pressão deu certo, ele foi passado para 2013 e ainda não retomado, embora ainda esteja em regime de urgência. A qualquer momento, pode ser votado”, diz João Paulo Amaral, pesquisador do Idec, ressaltando que a rotulagem de transgênicos está prevista no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos.

O limite de 1%
Em agosto de 2012, provocado por Ação Civil Pública movida pelo Idec, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região concedeu decisão favorável à rotulagem de produtos alimentícios que contivessem qualquer porcentagem de transgênicos, mesmo abaixo de 1%. A decisão confirmou ação movida em 2007 e negou recursos interpostos pela União e pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia): “O Idec entrou com ação considerando que essa definição de 1% não estaria garantindo a informação clara ao consumidor, que poderia estar ingerindo algo com transgênicos, embora fosse menos de 1%, e não saberia disso. A decisão do TRF quebrou com essa regra do 1%. Então, ficou valendo a rotulagem para qualquer porcentagem de transgenia”, diz Amaral.

A vitória dos movimentos de defesa dos consumidores, no entanto, não durou muito: “No final de dezembro de 2012, logo após o Natal e bem no meio dessa campanha que estamos fazendo, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a decisão tomada pelo TRF em agosto. Então, caiu a decisão e voltou a valer o 1%, conforme o decreto presidencial de 2003”, relata o pesquisador do Idec.

Curiosamente, a indicação da presença de qualquer percentual de transgênicos nas embalagens dos produtos está prevista em outro Projeto de Lei que, no entanto, merece igualmente o repúdio das organizações do movimento socioambientalista. De autoria do deputado federal Cândido Vacarezza (PT-SP), o PL 5.575, apresentado em 2009 e que aguarda a sua apreciação por uma comissão especial da Câmara, é repudiado pelos ambientalistas porque prevê também, atendendo a um anseio das empresas, o fim da existência de qualquer rótulo ou símbolo indicativo de transgênicos nas embalagens. Isso sem falar que o PL 5.575/09 traz outro item sobre a liberação do cultivo de plantas geneticamente modificadas com estruturas reprodutivas estéreis, conhecidas como sementes suicidas ou terminator.

Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o Código de Defesa do Consumidor


Fiscalização
“Manter o triângulo amarelo com o ‘T’ de transgênico é fundamental para que o consumidor tenha o direito à informação clara, como determina o artigo VI, nos incisos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor”, diz Amaral. O Idec faz outro alerta aos consumidores: “Aguardamos até hoje a realização de Estudos de Impacto Ambiental para garantir se o consumo de transgênicos é seguro, pois, teoricamente, os produtos com ingredientes transgênicos não deveriam estar no mercado se não há clareza se são seguros ou não para serem consumidos e também produzidos. Nossa preocupação é que, além da questão da rotulagem, é preciso garantir alternativas ao consumidor. Até porque senão daqui a pouco todos os produtos terão o ‘T’ e aí não teremos mais escolha. Se quisermos falar em consumo sustentável e em alimentação saudável, temos de falar em alternativas que sejam acessíveis ao consumidor”, diz.

Delegada no Brasil à responsabilidade de uma série de órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde, os Procons e as vigilâncias sanitárias estaduais, a fiscalização da rotulagem de produtos transgênicos, ainda assim, continua sofrível no país, segundo o Idec: “Fizemos uma pesquisa no período de festas juninas para avaliar os produtos à base de milho transgênico que teriam essa informação. Descobrimos que há uma série de marcas que não está com a rotulagem de transgênicas adequada. A maior parte delas não tinha a presença do símbolo com o ‘T’ nem trazia a informação ‘contém transgênicos’ escrita por extenso abaixo do símbolo. Quase nunca estava presente também a informação sobre qual era exatamente a espécie doadora do gene adicionado àquele milho e que estava causando a transgenia daquele alimento”, diz Amaral.

O pesquisador do Idec diz que ainda falta muito para que a rotulagem de produtos que contêm ingredientes transgênicos possa ser considerada satisfatória no Brasil: “Não basta ter o símbolo com o ‘T’ na embalagem, pois é apenas uma forma de fazer o consumidor identificar com facilidade se há transgênicos e reconhecer aquele produto rapidamente. O resultado da pesquisa nas festas juninas dispara o alarme de que falta fiscalizar e cobrar para que esses produtos tenham realmente a rotulagem garantida”.

Outro tipo muito importante de fiscalização – a feita pelo próprio consumidor – também deixa a desejar no Brasil, apesar de existirem inúmeras pesquisas de opinião indicando que as pessoas querem saber se o alimento consumido contém ou não ingredientes transgênicos: “O Idec fez uma enquete para saber se a pessoa já encontrou na embalagem de alimentos à base de milho alguma indicação sobre a presença de ingredientes transgênicos. O que se evidenciou é que poucas pessoas veem o ‘T’ na embalagem e também as informações escritas sobre os ingredientes, já que 56% dos entrevistados não viu essa indicação. Mas, o mais interessante é que 40% desses respondentes falam que, sim, já viram o triângulo amarelo com o ‘T’ indicando que aquele produto contém transgênicos. Isso é rapidamente assimilado, mas só 5% leram as informações complementares”, diz Amaral.

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Transgênicos e agrotóxicos: uma combinação letal https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/transgenicos-e-agrotoxicos-uma-combinacao-letal-2/ Wed, 13 Nov 2013 09:31:27 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=59 Expansão dos organismos geneticamente modificados fez aumentar o uso de defensivos agrícolas. Diversos estudos os relacionam ao crescimento da incidência de câncer

Por Maurício Thuswohl

A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu decisivamente para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos, na safra 2010/2011 o consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atingiu 936 mil toneladas e movimentou 8,5 bilhões de dólares no país. Nos últimos dez anos, revela a Anvisa, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período.

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Não à toa, as lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil. Ao lado da cana-de-açúcar, essas três culturas representam, segundo a Anvisa, cerca de 80% das vendas do setor. A soja, com 40% do volume total de venenos agrícolas consumidos no país, mais uma vez reina absoluta, seguida pelo milho (15%) e pelo algodão (10%). De acordo com a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, somente Brasil e Argentina jogam em suas lavouras transgênicas cerca de 500 mil toneladas de agrotóxicos à base de glifosato a cada ano.

Segundo a Anvisa, 130 empresas atuam hoje no setor de agrotóxicos no Brasil, sendo que 96 estão instaladas no país. Somente as dez maiores empresas do setor, no entanto, foram responsáveis por 75% das vendas de agrotóxicos na última safra, dividindo entre si o mercado brasileiro de acordo com as categorias de produto. Os herbicidas representam 45% do total de agrotóxicos comercializados no país, seguidos por fungicidas (14%), inseticidas (12%) e outras categorias (29%). Quando comparadas as vendas por ingredientes ativos, o glifosato lidera com 29% do mercado brasileiro de venenos agrícolas, seguido pelo óleo mineral (7%), pela atrazina (5%) e pelo novo agrotóxico 2,4D (5%).

A gente já previa há uns anos atrás que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo

Brack alerta que a situação tende a piorar nos próximos meses: “Entre o fim de setembro e o início de outubro, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se debruçará sobre três eventos transgênicos de soja e milho adaptados ao uso do 2,4D, que é um dos componentes do agente laranja”, diz, antes de fazer uma comparação: “Sabemos que o glifosato é tóxico, mas ele é considerado pela Anvisa como sendo de toxicidade baixa. Agora, em relação ao 2,4D, a própria Anvisa reconhece se tratar de um produto altamente tóxico. Isso é um retrocesso violento”.“Entre os principais riscos trazidos pelos transgênicos está o aumento do uso de agrotóxicos”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Temos, nos últimos dez anos, um aumento de mais de 130% do uso de herbicidas e de 70% do uso de agrotóxicos, enquanto a expansão da área plantada foi bem menor do que isso. A gente já previa há uns anos que os transgênicos iriam alavancar as vendas de agrotóxicos, e é exatamente isso o que está acontecendo”, diz.

Segundo o professor da UFRGS, a comunidade científica engajada contra a proliferação indiscriminada de transgênicos e agrotóxicos e as organizações do movimento socioambientalista farão uma grande campanha para que os eventos transgênicos ligados ao veneno 2,4D não sejam aprovados pela CTNBio em outubro: “O uso de transgênicos e agrotóxicos vai aumentar ainda mais. A sociedade tem de se levantar contra isso, pois a nossa saúde está em risco”, diz Brack.

Sem redução
Dirigente da AS-PTA, Jean Marc Von der Weid chama atenção para a desmistificação de uma “propaganda enganosa” feita pelas empresas: “Apesar de a propaganda das empresas falar de redução do uso de agrotóxicos, isso só ocorreu nos EUA, nos três primeiros anos do emprego da tecnologia. Depois, como todos os cientistas independentes previram, as ervas tratadas com doses maciças de glifosato adquiriram resistência ao produto e hoje infestam agressivamente os campos de soja, milho e algodão resistentes ao glifosato, produzindo reduções de produtividade que chegam a 50% em casos mais extremos. A perda de eficiência das plantas transgênicas no controle de invasoras e pragas significou que os volumes de agrotóxicos foram aumentando para compensar esse efeito. Além disso, os agricultores tiveram de usar outros agrotóxicos mais agressivos no lugar dos que perdiam sua eficiência, como o glifosato, que está sendo substituído pelo 2,4D, vulgo agente laranja”, afirma.

Jean-Marc cita um exemplo de como a propaganda feita pelas empresas jamais se confirmou na prática: “O milho Bt, que mata uma lagarta cuja infestação no Brasil nunca foi importante antes do uso desse produto, teve desde o começo da sua utilização um problema de efeito colateral. As lagartas ‘mastigadoras’ morriam, mas os insetos ‘sugadores’ se multiplicavam como nunca antes e, no balanço geral, o resultado em termos de produtividade e gastos com os controles de pragas davam empate com os sistemas convencionais”, diz.

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Avião despejando pesticidas em plantação (Foto: Jay Oliver/UGA CAES)

Doenças
Um dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) relaciona com detalhes os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras: “Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição”, alerta o documento.

Há poucos estudos científicos sobre o impacto do uso dos transgênicos, pois a questão de conflito de interesses é grande

Paulo Brack, entretanto, ressalva que os riscos são mais do que conhecidos: “Existem vários trabalhos que comprovam não só a incidência de câncer, mas também de outras doenças. O próprio 2,4D, além de ter uma toxicidade elevada, é também um disruptor endócrino, ou seja, provoca alterações hormonais e pode causar problemas genéticos teratogênicos. Com ele, nós vamos ter mais risco de crianças nascerem defeituosas. No caso do glifosato, que é o mais utilizado, existem vários trabalhos mostrando que altera a divisão celular. Os trabalhos estão cada vez mais fortalecendo essa questão de que ele está relacionado ao surgimento de câncer”, diz.A falta de estudos sistemáticos e com abrangência nacional que possam comprovar a inter-relação entre transgênicos, agrotóxicos e câncer, no entanto, contribui para que a questão não seja enfrentada corretamente pelo poder público: “A questão dos transgênicos é bastante complexa em termos de impacto para a saúde humana. Há poucos estudos científicos sobre o impacto do seu uso, pois a questão de conflito de interesses é grande e, em geral, há pouco financiamento de estudos sobre esse tema”, diz Anelise Rizzolo, integrante da Comissão Executiva que elaborou o dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. Na opinião de Anelise, que também é professora da Universidade de Brasília (UnB), “o Princípio da Precaução deve ser o critério utilizado enquanto não houver estudos suficientes que atestem sobre os reais impactos dos transgênicos na saúde”.

Outros países
Em outros países também já começam a aparecer denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Na cidade de Córdoba, na Argentina, um levantamento feito no Bairro Ituzaingó, onde existem centenas de residências ilhadas pelas lavouras de soja transgênica e expostas a banhos de agrotóxicos jogados por aviões, revelou que a incidência de câncer aumentava com a proximidade dos campos de soja. Até 2010 foram registrados naquela região 169 casos da doença, dos quais 32 resultaram em óbito.

Nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional do Câncer (NCI, na sigla em inglês) afirma que “toda a população dos EUA é exposta diariamente a numerosos produtos químicos agrícolas, muitos destes suspeitos de conterem propriedades cancerígenas ou atuarem como disruptores endócrinos”. Segundo o documento, “pesticidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas) aprovados para uso pela Agência Ambiental dos EUA [EPA, na sigla em inglês] contêm quase 900 ingredientes ativos, muitos dos quais tóxicos”.

O NCI alerta que “pesticidas, fertilizantes agrícolas e medicamentos de uso veterinário são importantes contribuintes para a poluição da água e, como resultado de processos químicos, formam subprodutos tóxicos nocivos à saúde humana quando suas substâncias entram na rede de abastecimento de água”. O perfil das vítimas se repete: “Agricultores e suas famílias, incluindo migrantes trabalhadores, sofrem maior risco com a exposição aos produtos agrícolas”, diz o estudo estadunidense.

A falta de testes exaustivos e conclusivos também é lamentada nos EUA: “Muitos dos solventes, agentes de enchimento e outros produtos químicos incluídos como ingredientes inertes em rótulos de pesticidas são também tóxicos, mas não são necessários testes quanto ao seu potencial para causar doenças crônicas, como o câncer. Os produtos químicos agrícolas muitas vezes são aplicados como misturas, por isso tem sido difícil distinguir claramente os riscos de câncer associado a seus agentes individuais”, diz o estudo do NCI.

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Pouca transparência marca estudos sobre riscos dos transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/pouca-transparencia-marca-estudos-sobre-riscos-dos-transgenicos-2/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/pouca-transparencia-marca-estudos-sobre-riscos-dos-transgenicos-2/#comments Tue, 12 Nov 2013 16:54:26 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=56 Ameaças à saúde humana, meio ambiente e diversidade alimentar ainda são objetos de divergência entre cientistas, empresas, governos nacionais e organizações multilaterais

Por Maurício Thuswohl

Foco de toda a polêmica que contrapõe defensores e adversários dos transgênicos desde o início de sua comercialização mundial há 17 anos, os potenciais riscos trazidos pelos alimentos geneticamente modificados à saúde humana, ao meio ambiente e à diversidade alimentar permanecem insatisfatoriamente esclarecidos e ainda são objetos de divergência entre cientistas, empresas do setor de biotecnologia, governos nacionais e organizações multilaterais. Quando se fala em transgênicos, em que pese a maciça propaganda favorável patrocinada pelas empresas detentoras da tecnologia, ainda são muitas as vozes que evocam o Princípio da Precaução (um dos pilares do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, firmado no âmbito da ONU) e alertam sobre o perigo de ameaças como o aumento da incidência de doenças, as contaminações de cultivos convencionais e de áreas de proteção ambiental, a expansão do uso de agrotóxicos e o controle monopolizado de sementes e técnicas de produção.

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No que diz respeito à saúde humana, entidades multilaterais de peso como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) afirmam não haver comprovação de que os produtos transgênicos comercializados até hoje façam mal. Entretanto, organizações representativas da sociedade civil que atuam contra a disseminação dos cultivos geneticamente modificados criticam o pouco rigor dos testes de biossegurança – muitos, patrocinados pelas próprias empresas que atuam no setor de transgenia – realizados na maioria dos países e se apoiam em estudos independentes publicados recentemente para afirmar que uma alimentação à base de transgênicos pode favorecer o aparecimento de tumores e outras anomalias.

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Linha de produção do Roundup, agrotóxico da Monsanto apontado como cancerígeno por pesquisadores (Foto: Divulgação)

Prazos de pesquisa curtos
A pouca transparência e os métodos utilizados nos testes de biossegurança são criticados pelo movimento socioambientalista: “A questão dos riscos está ficando mais evidente, pois alguns cientistas independentes resolveram enfrentar as leis que protegem as empresas de transgenia de qualquer exame de seus produtos sem sua autorização. Esses pesquisadores adotaram procedimentos cientificamente rigorosos para avaliar os riscos para a saúde, mas, sobretudo, passaram a avaliar os possíveis impactos por prazos mais longos do que aqueles usados nos testes de segurança das empresas. Nestes últimos, os prazos nunca foram superiores a três meses e, frequentemente, são ainda mais curtos. Curiosamente, todos os problemas (tumores, deformações de órgãos etc.) começam a aparecer a partir do quarto mês de testes”, diz Jean Marc von der Weid, dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos.

A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado


Ratos com câncer

Professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em biossegurança, Paulo Brack aponta a contaminação das lavouras convencionais como outro fator de risco trazido pelos transgênicos: “Mesmo que o agricultor não queira, a proximidade com cultivos transgênicos traz poluição genética e a contaminação de culturas convencionais. É quase inviável plantar hoje sementes que não sejam transgênicas, pois a contaminação já está acontecendo”, diz. Brack ressalta que a contaminação “faz parte do processo” de domínio levado a cabo pelas empresas de transgenia: “A contaminação é também uma maneira de as empresas se tornarem hegemônicas e praticamente totalitárias nesse mercado”.

Como contraponto aos estudos bancados pelas empresas, Jean Marc cita os testes sobre o milho transgênico da Monsanto realizados com ratos durante dois anos pelo cientista francês Gilles Seralini: “O estudo produz resultados arrasadores, inclusive com algumas fotos assustadoras. Apesar do bombardeio de cientistas pró-transgenia, muitos deles empregados diretos ou indiretos das empresas, Seralini respondeu a todas as objeções e cobrou dos críticos que usassem o mesmo rigor para os testes mais do que superficiais que são feitos pelas próprias empresas”, diz o ambientalista.

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

Rato desenvolveu câncer depois de ser alimentado por dois anos com milho tratado com herbicida RoundUp, da Monsanto (Foto: reprodução)

A situação é semelhante no Brasil, avalia Jean Marc: “Essa observação sobre o rigor dos testes vale também para os nossos cientistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que competem com os mais subservientes no seu afã em servir às empresas. Um dia ainda vão pagar por sua irresponsabilidade, assim como os cientistas que por décadas defenderam a inocuidade dos cigarros acabaram processados (alguns pelo menos) por sua má fé”.

A equipe coordenada pelo professor Seralini, que trabalha na Universidade de Caen, na França, publicou em setembro do ano passado um estudo sobre o milho transgênico NK603, desenvolvido pela Monsanto para ser resistente ao herbicida RoundUp (à base de glifosato), também fabricado pela empresa transnacional, ambos presentes em 80% dos transgênicos alimentícios plantados em todo o mundo. Realizado com 200 ratos de laboratório, o estudo revelou que o consumo contínuo tanto do milho transgênico quanto do glifosato levou-os a uma mortalidade mais alta e frequente que as registradas habitualmente na espécie.

Entre os distúrbios mais graves apresentados pelos roedores está o desenvolvimento de grandes tumores mamários na maioria das fêmeas, enquanto outras morreram em decorrência de problemas renais. Os machos, por sua vez, tiveram em sua maioria deficiências graves nos sistemas hepático e renal. Para a realização do teste, os ratos foram alimentados de três maneiras: apenas com milho transgênico, com milho transgênico tratado com RoundUp e com milho convencional tratado com RoundUp. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) dada aos ratos foram as mesmas consumidas pelos cidadãos dos Estados Unidos submetidos à dieta da Monsanto.

OMS
Apesar da publicação de estudos que comprovariam os malefícios dos alimentos transgênicos, o Departamento de Segurança Sanitária dos Alimentos da OMS garante que jamais foi identificado nenhum caso de efeito nocivo sobre a saúde humana resultante do seu consumo. Segundo um estudo publicado em parceria com a FAO em 2005, e acatado até hoje, “os efeitos potenciais diretos dos alimentos geneticamente modificados sobre a saúde são em geral comparáveis aos riscos conhecidos associados aos alimentos tradicionais” no que diz respeito ao seu potencial alergênico e a toxidade de seus constituintes, como também à qualidade nutricional do alimento e sua segurança sanitária.

O mesmo estudo, no entanto, fala também em efeitos indiretos: “Grupos de especialistas da FAO e da OMS examinaram o risco de que os genes sejam transferidos de um alimento geneticamente modificado a células mamárias ou bactérias da flora intestinal. Esses especialistas julgaram prudente considerar que fragmentos de DNA subsistem nas vias digestivas humanas e são suscetíveis de serem absorvidos pela flora intestinal ou pelas células somáticas que forram a parede do intestino”. O estudo conclui que “a inserção aleatória de genes em um OGM [organismo geneticamente modificado] poderia determinar instabilidades genéticas e fenotípicas, mas não há atualmente nenhuma prova científica indiscutível de tais efeitos”.

A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia


Duplo risco

Paulo Brack lamenta que não haja instituições multilaterais, ou mesmo nacionais, capazes de centralizar os testes sobre os riscos trazidos pelo consumo de organismos geneticamente modificados: “A questão dos transgênicos é relativamente recente, e nós não temos instituições que façam estudos em relação aos seus efeitos porque hoje quem trabalha com isso são as próprias empresas do setor de transgenia. Estas não querem realizar trabalhos relativos aos transgênicos e aos seus produtos associados”. O professor da UFRGS diz acreditar que essa questão será mais transparente no futuro: “A ciência vai avançando. Há 30 ou 40 anos, quando se falava que o cigarro e a nicotina faziam mal à saúde, isso era motivo de chacota por parte das empresas e até mesmo de alguns setores das ciências. Hoje, no entanto, não se tem mais dúvidas quanto aos malefícios do cigarro”.

Segundo a organização ambientalista Greenpeace, os transgênicos representam um duplo risco: “Primeiro, por serem resistentes a agrotóxicos ou possuírem propriedades inseticidas, o uso contínuo de sementes transgênicas leva à maior resistência de ervas daninhas e insetos, o que por sua vez leva o agricultor a aumentar a dose de agrotóxicos ano a ano. Não por acaso, o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos, sendo mais da metade deles destinados à soja, primeira lavoura transgênica a ser inserida no país. Além disso, o uso de transgênicos representa um alto risco de perda de biodiversidade, tanto pelo aumento no uso de agroquímicos (que têm efeitos sobre a vida no solo e ao redor das lavouras), quanto pela contaminação de sementes naturais por transgênicas”, diz um documento da organização.

O Greenpeace também critica os testes de biossegurança realizados nos últimos anos: “Não existe consenso na comunidade científica sobre a segurança dos transgênicos para a saúde humana e o meio ambiente. Testes de médio e longo prazo em cobaias e em seres humanos não são feitos, e geralmente são repudiados pelas empresas de transgênicos”. A organização internacional considera a liberação de transgênicos “uma afronta ao Princípio da Precaução e uma aposta de quem não tem compromisso com o futuro da agricultura, do meio ambiente e do planeta”.

Além dos riscos à saúde e ao meio ambiente, há também os riscos sociais. Reunidas de 23 a 27 de maio em Bogotá (Colômbia), as 30 organizações de 12 países que compõem a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos (RALLT) enviaram a todo a equipe dirigente da ONU uma carta aberta na qual alertam sobre os impactos trazidos pela transgenia: “Longe de cumprir as promessas que as empresas fizeram para entrar na região, os transgênicos têm semeado desolação e morte na América Latina, onde esses cultivos alcançaram altos limites de expansão, ocupando o segundo lugar em área cultivada com transgênicos no mundo”.

“Genocídio”
Segundo a RALLT, a disseminação acelerada dos transgênicos “tem significado a contaminação genética da agrobiodiversidade, a destruição de ecossistemas naturais e a submissão da população a uma condição sanitária que, devido ao uso de pesticidas, se aproxima do genocídio”. Apenas nos países do Cone Sul, diz a carta aberta, a soja resistente ao glifosato cobre uma área de 475,7 mil km²: “Toda essa área é fumigada com um coquetel de agrotóxicos, afetando milhões de pessoas que vivem na zona de influência das fumigações de veneno associadas a cultivos transgênicos”. O documento diz ainda que “os impactos produzidos pelo modelo de sementes transgênicas alcançaram níveis tão grandes que este deixou de ser um problema que pode ser resolvido através de técnicas como a avaliação e manejo dos riscos para se converter em uma violação dos direitos humanos de populações inteiras”.

A carta alerta também para o perigo que o controle das sementes de milho pelas empresas do setor de biotecnologia representa para a diversidade alimentar e a soberania cultural dos países latino-americanos – sobretudo o México e os países da América Central – e pede que essa discussão deixe o âmbito restrito do Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU e passe a ser tratada também por outros setores do sistema das Nações Unidas, como, por exemplo, o Alto Comissariado para Direitos Humanos.

“As empresas que produzem sementes e agrotóxicos e comercializam alimentos transgênicos, juntamente com as elites locais e a cumplicidade dos governos de plantão, converteram a América Latina em plataforma dos cultivos transgênicos do mundo, criando um problema de violação sistemática e legalizada dos direitos humanos”, diz o documento, que foi enviado simultaneamente para Navanethem Pillay (alta comissária para Direitos Humanos), Olivier de Schutter (relator especial sobre Direito à Alimentação) e os brasileiros José Graziano (diretor da FAO) e Bráulio Dias (secretário-executivo da CDB), entre outras autoridades da ONU.

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Grupo de seis empresas controla mercado global de transgênicos https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/grupo-de-seis-empresas-controla-mercado-global-de-transgenicos/ Tue, 12 Nov 2013 09:18:55 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=53 Ação das transnacionais é norteada pela política do fato consumado na introdução de produtos, pressão sobre os agricultores e influência direta sobre os órgãos públicos

Por Maurício Thuswohl

Basta dar uma olhada na lista de cultivos geneticamente modificados já liberados para plantio comercial em território brasileiro pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – cinco tipos de soja, 18 de milho e 12 de algodão, além de uma de feijão – para se ter a noção exata de que o clube dos transgênicos é para pouquíssimos sócios. Com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

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O monopólio praticado pelas transnacionais no mercado agrícola brasileiro se reproduz em todo o mundo. Um relatório divulgado em março pelo Grupo ETC, organização socioambientalista internacional que atua no setor de biotecnologia e monitora o mercado de transgênicos, revela que as seis maiores empresas, apelidadas de “Gene Giants” (Gigantes da Genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor.

Infográfico: Transgênicos liberados no BrasilBaixe os dados em uma tabela com as propriedades de cada transgênico

A concentração de mercado, por si só, já seria passível de críticas, mas ambientalistas, associações de defesa do consumidor e adversários dos transgênicos em geral também repudiam severamente os métodos utilizados ao longo dos anos pelas Gene Giants para consolidar seu monopólio. Nos países onde atuam, a ação das empresas transnacionais, ainda hoje, é norteada pela política do fato consumado na introdução de seus produtos (com práticas como a distribuição ilegal de sementes ou a contaminação deliberada de lavouras convencionais), a pressão sobre os agricultores para a adoção da tecnologia transgênica e dos produtos químicos agrícolas a ela associados e a influência direta sobre os órgãos nacionais do poder público responsáveis por deliberar sobre a liberação de organismos geneticamente modificados.

Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais

 

Um dos métodos utilizados pelas transnacionais, diz Frigo, é cooptar cooperativas agropecuárias para fazer a distribuição das suas sementes e, à medida que as empresas de sementes vão sendo compradas e o mercado dominado, colocar à venda apenas a semente com a qual terão mais lucro: “Aqui no Brasil, muitas vezes, os agricultores iam comprar as sementes convencionais e não as encontravam mais, ou as encontravam em quantidades muito pequenas, o que os obrigava a, não tendo outra opção, comprar as sementes que, por exemplo, a Monsanto impunha no mercado. Então, essa imposição do pacote tecnológico, a imposição da transgenia, se deu a ferro e fogo. Quando os agricultores se deram conta, haviam entrado em um caminho sem volta”.“No Brasil, essas transnacionais compraram praticamente todas as pequenas e médias empresas de sementes, além de dominarem a cadeia agroalimentar desde a produção de sementes, agroquímicos e agrotóxicos até a parte de logística, transporte e exportação. Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais. Isso é um problema grave para um país que quer ter soberania alimentar e condições melhores de produção para garantir alimentos de qualidade à população”, diz Darci Frigo, advogado da organização socioambientalista Terra de Direitos. Nesses dez anos de reinado transgênico no país, diz Frigo, a perda da diversidade alimentar já é realidade: “Essas empresas vêm homogeneizando a dieta com poucos produtos. Basicamente, aqueles produtos que interessam a elas do ponto de vista da aplicação de determinados agrotóxicos ou outros insumos, com a chamada venda casada”.

A captura dos agricultores é também apontada pelo pesquisador Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Se você falar com um agricultor gaúcho sobre a opção de não plantar transgênicos, ele simplesmente vai te dizer que não existe mais semente convencional. O mercado foi tomado pelas sementes transgênicas. Hoje, ele está dominado, e você não tem nem mais a alternativa de plantar culturas convencionais. Isso é um escândalo, porque vai contra a economia do próprio agricultor, que perde a possibilidade de fazer a sua própria semente e tem de pagar royalties para as empresas. O círculo está se fechando, e o governo deveria resguardar, no mínimo, a possibilidade de produção de sementes convencionais e sementes crioulas”, diz.

Capa do DVD do filme "O mundo segundo a Monsanto"

Capa do DVD do filme “O mundo segundo a Monsanto”

Influência
Talvez as mais conhecidas peças de denúncia sobre os métodos utilizados pelas gigantes do setor de transgenia, o livro e o filme “O mundo segundo a Monsanto”, ambos da francesa Marie-Monique Robin, relatam a trajetória histórica da empresa estadunidense, desde o seu envolvimento nas pesquisas sobre a bomba atômica (que acabou jogada sobre os civis japoneses nos anos 1940) e a criação do agente laranja (utilizado para matar civis na guerra do Vietnã nos anos 1960) até sua chegada à tecnologia transgênica e ao novo papel de “empresa agrícola” nos anos 1990.

Durante todas essas décadas, relata Robin, a Monsanto jamais deixou de exercer forte influência sobre os agentes públicos que ocupavam postos em órgãos de estratégica importância como, por exemplo, a agência que regula o mercado de alimentos, drogas e produtos químicos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês). Livro e filme têm também uma parte especialmente dedicada à América do Sul, onde mostram os métodos utilizados pela Monsanto para introduzir ilegalmente a soja transgênica RR na lavouras do estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

No Brasil, o método básico de ação das Gene Giants para consolidar a posição de seus produtos no mercado também alia a pressão sobre os agricultores à tentativa de influenciar setores estratégicos da administração pública: “Há uma influência muito grande no direcionamento da pesquisa e também no âmbito do Congresso Nacional e do financiamento das campanhas eleitorais. Isso determina que os temas de interesse das empresas de biotecnologia acabem entrando na lógica do parlamento. A bancada ruralista presta serviço à transgenia, apesar de os agricultores serem dominados pelo cartel formado por essas empresas, porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais”, diz Darci Frigo.

A bancada ruralista presta serviço à transgenia porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais


iTunes transgênico
Segundo o dirigente da Terra de Direitos, é tanta a força das gigantes da transgenia no Brasil atualmente que elas até mesmo reduziram sua propaganda: “As empresas abandonaram o discurso de que transgênico diminui o uso de agrotóxicos porque já estabeleceram seu domínio sobre os agricultores e o mercado, e agora ninguém mais vai discutir essa diminuição. As autoridades não questionam e o Ministério da Agricultura não se estrutura para fazer uma real fiscalização do que acontece no terreno. É grande a influência dessas empresas por meio da pressão sobre os parlamentares ou por meio das ações de cooptação dos órgãos responsáveis pela fiscalização, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para liberar agrotóxicos, ou a CTNBio, para liberar transgênicos”, diz Frigo.

Mais recentemente, setores antitransgênicos manifestaram seu repúdio à iniciativa de algumas empresas transnacionais que anunciaram o compartilhamento gratuito de tecnologias relativas a seus produtos para pesquisadores de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, um acordo inicialmente elaborado pela Monsanto, e agora posto em prática pela General Electric (GE), promete liberar aos agricultores informações técnicas sobre diversos produtos da empresa que já tiveram suas patentes expiradas: “Com isso, querem fazer que uma prática monopolista pareça um ato de caridade”, diz o relatório do Grupo ETC.

A medida de maior impacto, no entanto, foi anunciada em janeiro pela Syngenta. A transnacional suíça lançou na internet o que define como uma “plataforma de compartilhamento de inovação na agricultura”, onde disponibiliza gratuitamente para pesquisadores algumas técnicas e características genéticas de suas sementes patenteadas. Ironicamente batizada pelo movimento socioambientalista como o “iTunes dos Transgênicos”, o site da Syngenta é definido pelo Grupo ETC ao mesmo tempo como “uma tentativa de imposição de transferência tecnológica para o Sul” e “uma jogada concebida expressamente para acalmar o movimento contra o patenteamento de plantas que ganha força na Europa”.

Briga por royalties
No que diz respeito a patentes, o poder de persuasão das empresas que controlam o setor de transgênicos também tem seus limites. Absoluta no mercado brasileiro de soja transgênica, a Monsanto mantém há anos uma complicada relação com os produtores do grão no país por conta da cobrança de royalties relativos à sua tecnologia RR. Em junho deste ano, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), motivada por uma ação da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), determinou que a empresa suspendesse a cobrança de royalties, considerada indevida. A decisão obrigou a Monsanto a fazer um acordo com os produtores brasileiros para o ressarcimento de R$ 212 milhões cobrados indevidamente nas safras 2010/2011 e 2011/2012.

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Plantação de soja da Monsanto. Empresa terá de ressarcir produtores por cobranças indevidas (Foto: Divulgação)

Diretor técnico da Aprosoja-MT, Nery Ribas afirma que, se dependesse das poucas informações transmitidas aos produtores pela Monsanto ao longo de todos esses anos de relação, a cobrança indevida não teria sido percebida: “Antes, a dificuldade em obter informações era muito grande, mas, com a contratação de consultorias especializadas, conseguimos demonstrar que a patente havia vencido em agosto de 2010. Ou seja, já havia sido cobrado indevidamente em duas safras”, diz.

Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, a Monsanto vai ter de pagar em dobro

 

O acordo será efetivado na comercialização da nova tecnologia transgênica para soja desenvolvida pela Monsanto no Brasil, conhecida como Intacta: “O que temos para receber, relativo a esses dois anos, nos vai ser pago em forma de bônus no uso da nova tecnologia. Por quatro anos, a Monsanto concederá um bônus que o produtor poderá utilizar na aplicação da tecnologia. Em vez de R$ 115 por hectare, que é o preço dos royalties já definido pela Monsanto para a Intacta, serão cobrados R$ 96,50. Ou seja, haverá R$ 18,50 a menos por hectare durante quatro anos”, diz o dirigente da Aprosoja.A Aprosoja-MT liderou então um movimento pelo fim da cobrança dos royalties que acabou tendo efeitos em todo o Brasil: “Entramos com a ação e ganhamos em todas as instâncias. A Monsanto reconheceu o erro e estendeu esse benefício para todo o país. Já não cobrou os royalties nessa última safra [2012/2013] e, depois de muita discussão, chegamos a um acordo. Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, vão ter de pagar em dobro. A legislação brasileira é muito clara: cobrou indevidamente, tem de pagar em dobro”, diz Ribas.

Nery Ribas diz que o cultivo de transgênicos “tem suas desvantagens, e uma delas é a obrigação de pagamento de royalties” às empresas detentoras da tecnologia: “Não somos contra a tecnologia e não somos de maneira nenhuma contra pagar pela tecnologia, mas desde que seja bom, justo e interessante para os dois lados. O que vinha ocorrendo é que o monopólio de uma única empresa sobre a inovação tecnológica fez que ela cobrasse um preço que nunca foi discutido pelos produtores. A Monsanto chegava, determinava o valor e pronto. Não se discutia valor, forma de cobrança etc. Nunca se discutiu isso, e o produtor, pela utilização dos benefícios, nunca questionou e sempre pagou, mas sempre reconhecendo que era muito caro”, diz.

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Aceitação aos transgênicos divide mercado internacional https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/aceitacao-aos-transgenicos-divide-mercado-internacional/ https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/aceitacao-aos-transgenicos-divide-mercado-internacional/#comments Mon, 11 Nov 2013 14:27:00 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=47 Enquanto Europa é reticente em relação a organismos geneticamente modificados, a China abre suas portas. Confira segunda reportagem da série especial sobre transgênicos
Por Maurício Thuswohl

O acelerado ritmo de crescimento das áreas ocupadas com cultivos geneticamente modificados em várias partes do mundo cria no mercado a expectativa de que o número de pedidos para liberação comercial de transgênicos no Brasil aumente ainda mais nos próximos anos, já que o país tem grande capacidade produtiva e uma extensa área de plantio que ainda pode ser utilizada. Para se ter uma ideia do potencial de expansão das plantas geneticamente modificadas em um país com extensão territorial de dimensões continentais, os Estados Unidos, segundo relatório publicado este ano pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA, na sigla em inglês), plantou um total de 69,5 milhões de hectares com transgênicos em 2012.

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Segundo colocado, com 36,6 milhões de hectares plantados, o Brasil já se posiciona bem à frente dos outros principais produtores mundiais de transgênicos: Argentina (23,9 milhões de hectares), Canadá (11,6 milhões), Índia (10,8 milhões) e China (4 milhões). Atualmente, segundo o relatório do ISAAA, os transgênicos são legalmente cultivados em 28 países e já estão presentes em todos os continentes, em um total de 170,3 milhões de hectares plantados. O último país a entrar no rol dos produtores de plantas geneticamente modificadas foi Cuba, que no ano passado começou a plantar milho com tecnologia B.t.

No mercado internacional, o principal comprador de transgênicos produzidos no Brasil hoje é a China, que fica com 70% da produção brasileira de soja geneticamente modificada, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil): “Para se ter uma ideia da importância chinesa, a Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda. Eles esperaram por duas safras no Brasil, mas enquanto a China não bateu o martelo não dava para usar a nova soja transgênica”, diz Nery Ribas, diretor técnico da entidade.

A Monsanto só decidiu começar de fato o plantio com a nova semente Intacta depois que foi liberada sua importação pela China, o que é uma garantia de venda

A posição russa está alinhada com a da União Europeia (UE) que, assim como o Japão, rejeita o plantio e dificulta a comercialização de transgênicos em seu território. Na Europa, a rejeição ao consumo de frutas, legumes e verduras transgênicos é tão disseminada no imaginário da sociedade que países como Itália, França, Bélgica e Bulgária, entre outros, já proibiram totalmente o cultivo de plantas geneticamente modificadas em seu território.O relatório do ISAAA revela que em 2012, pela primeira vez, a área plantada com transgênicos nos países desenvolvidos (48%) foi superada pela área plantada nos países em desenvolvimento (52%). Nesse contexto, os países ditos emergentes têm papel de destaque, liderados pelo Brasil que, segundo o ISAAA, a partir da próxima safra já será responsável por um quarto dos transgênicos cultivados em todo o mundo. Entre os países do grupo conhecido como Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente a Rússia continua livre de transgênicos.

No Japão, a proibição é levada a sério ao ponto de o Ministério da Agricultura ter cancelado, em maio, a importação de parte das 750 mil toneladas de trigo que o país havia comprado este ano dos Estados Unidos. A proibição aconteceu após o Departamento de Agricultura estadunidense ter anunciado a descoberta de contaminação de uma plantação no estado do Oregon por uma variedade transgênica de trigo RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. O detalhe é que o plantio de trigo geneticamente modificado para fins comerciais jamais foi autorizado em nenhum país, nem mesmo nos EUA.

Monsanto desiste da Europa
Responsável por autorizar a entrada de transgênicos nos países da UE, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) liberou até hoje pouco mais de 50 produtos compostos por transgênicos para alimentação humana ou animal. Apenas dois tipos de cultivo em território europeu, no entanto, foram liberados em todos esses anos: o milho MON 810, desenvolvido pela Monsanto e cultivado desde 2008 na Espanha, Alemanha, Portugal, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia, e a batata Amflora, desenvolvida pela Basf e cultivada desde 2010 na Alemanha e na Suécia.

A Espanha, com 97,3 mil hectares plantados com o milho modificado da Monsanto, é o país europeu que tem hoje a maior área cultivada com transgênicos. Por outro lado, o plantio do MON 810 foi completamente proibido na França, Alemanha, Grécia, Áustria, Hungria e Luxemburgo. A batata Amflora da Basf, por sua vez, teve a entrada proibida na Áustria, Hungria, Polônia, França e Luxemburgo.

Em julho, o porta-voz da Monsanto divulgou um comunicado oficial no qual a empresa estadunidense afirma sua desistência de levar adiante todos os projetos envolvendo o cultivo de transgênicos na Europa. Na mesma ocasião, o porta-voz afirmou que “o foco da empresa, no que diz respeito ao desenvolvimento de transgênicos, são os Estados Unidos e a América Latina”, e que a Monsanto continuará pedindo à UE autorizações para importar transgênicos colhidos nos EUA, no Brasil e na Argentina.

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Espanha, é o país europeu com a maior área cultivada com transgênicos. O país só liberou uma variedade de transgênico, o milho da Monsanto (Foto: Bernhard Renner/Pixabay)

Soja convencional
Mesmo com apenas 12% de sua última safra composta pela soja tradicional, o agronegócio brasileiro também vai bem nesse nicho de mercado. A possibilidade de exportação para a Europa e o Japão faz que o país seja hoje o maior produtor mundial da chamada soja convencional, setor que hoje proporciona uma maior lucratividade que a soja transgênica. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), os agricultores brasileiros recebem de compradores japoneses e europeus um valor adicional que pode chegar a até R$ 8 por cada saca vendida do grão convencional, que se tornou um artigo de luxo.

A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica

A importância dos mercados europeu e japonês para a soja convencional brasileira hoje é tão grande quanto a dos mercados dos Estados Unidos e da China para a soja transgênica: “Não podemos abandonar ou relegar a um segundo plano a soja convencional. Se formou um nicho de mercado interessante para a soja convencional, em termos de preço e valorização na comercialização, com países europeus e alguma coisa no Japão. A produção não pode passar de um determinado volume que já degringola, mas, até esse volume, o produtor tem bônus, tem prêmio e preço e não tem royalties para pagar. Então, a soja convencional proporciona hoje ao produtor uma renda bastante interessante”, diz Ribas.Por outro lado, como a lavoura convencional não pode ter nenhum contato direto ou indireto com a lavoura transgênica, sob risco de contaminação, os agricultores que optam por exportar a soja convencional têm hoje um custo extra por serem obrigados a separar máquinas, equipamentos e silos para uso exclusivo. Ainda assim, diz a Aprosoja com base em estudos do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), os custos entre as produções convencional e transgênica hoje se equivalem: “A economia feita com equipamentos e mão de obra é consumida, em muitos casos, no pagamento de royalties pela utilização da tecnologia transgênica”, diz Nery Ribas.

Dirigente da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid ressalta que a reserva de mercado para a soja convencional brasileira na Europa e no Japão é importante também para a resistência contra o domínio total da soja transgênica em nossa lavouras: “Garantimos um espaço de produção não transgênica vital para poder abastecer o mercado europeu que resiste aos transgênicos. Sem essa produção brasileira, os europeus teriam, por exemplo, de se render às empresas de transgenia por falta de opção de oleaginosas para alimentação animal”, diz.

Para parte dos produtores brasileiros, a resistência da soja convencional é também esperança de que as exportações no setor voltem a se qualificar no futuro, já que um efeito colateral do avanço dos transgênicos no Brasil foi a queda nas vendas para o mercado externo dos derivados da soja com maior valor agregado que o grão in natura, como óleo, farelo e outras formas do grão processado.

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Legalizados há 10 anos, transgênicos vivem ‘apoteose’ no Brasil https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/legalizados-ha-10-anos-transgenicos-vivem-apoteose-no-brasil/ Mon, 11 Nov 2013 09:37:04 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=32 A Repórter Brasil começa a publicar uma série de nove reportagens sobre os impactos de uma década da liberação de sementes modificadas no país. Próximos textos abordarão diversos aspectos, como os riscos denunciados por ambientalistas aos direitos do agricultor e à saúde do consumidor

Por Maurício Thuswohl

Se o Brasil decidisse comemorar os dez anos, completados em junho, da primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas no país, a confecção de pelo menos uma parte dos quitutes para a festa certamente levaria produtos obtidos a partir de alimentos transgênicos. Negociada entre o governo brasileiro e o Congresso Nacional como reconhecimento a um fato consumado – a introdução ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul da soja geneticamente modificada RoundUp Ready, desenvolvida pela empresa transnacional Monsanto para resistir ao herbicida glifosato – a lei 10.688/2003 foi sancionada há uma década pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, os transgênicos se impuseram como uma realidade nacional e conquistaram espaço significativo no mercado, apesar do desconhecimento da maioria da população sobre seus riscos e da rejeição de diversas organizações representativas dos movimentos sociais.

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Embrapa já tem alimentos transgênicos liberados
Campo de soja no Mato Grosso do Sul (Foto: Verena Glass)

Campo de milho transgênico no Mato Grosso do Sul. Foto: Verena Glass

O Brasil é hoje, ao lado dos Estados Unidos, líder mundial da produção de soja transgênica. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 88% da safra de soja 2012/2013, que produziu impressionantes 81,3 milhões de toneladas, era composta por grãos geneticamente modificados, que ocuparam 37,1 milhões de hectares. Impulsionada pelo restrito clube de empresas que atua no setor, a força dos transgênicos na atual safra se estende a outras importantes commodities no país, como o milho e o algodão, que também já têm a maior parte de sua produção – 60% e 55%, respectivamente – composta por transgênicos. Na próxima safra (2013/2014), os transgênicos também serão parte da produção do símbolo maior da alimentação do povo brasileiro, o feijão, com o plantio de uma modalidade resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Uma estimativa divulgada pelo Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), baseada em estudo realizado pela consultoria de estratégias em agronegócio Céleres, diz que, somados todos os cultivares, o Brasil terá na safra 2013/2014, que começará a ser plantada em outubro, uma área de 40,3 milhões de hectares ocupada com transgênicos. Líder de mercado, a soja transgênica deverá ocupar quase 27 milhões de hectares na safra 2013/2014, em uma expansão de 8,9% sobre a última safra, e permanecerá presente em todo o país, com destaque para os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O milho transgênico, segundo o CIB, tem uma área total de cultivo para a próxima safra estimada em quase 13 milhões de hectares, já consideradas as colheitas de verão e a safrinha, o que elevaria a 81% a participação dos transgênicos na produção total de milho no Brasil. De acordo com a Embrapa, a safra 2013/2014 terá 467 cultivares de milho em todo o país, dos quais 54% (253) serão ocupados por plantas transgênicas.

Na última safra, a área total de algodão plantada no Brasil – o plantio acontece em todo o país, com exceção das zonas de exclusão no Pantanal e na Amazônia – se aproximou de um milhão de hectares. Para a safra 2013-2014, espera-se que pouco mais de 500 mil hectares sejam ocupados por plantas transgênicas, o que representa um aumento de 4,8% em relação à safra anterior. Segundo o CIB, este ano o algodão transgênico deverá ultrapassar 60% da produção total de algodão no país.

Adoção de biotecnologia agrícola no Brasil, por cultura

Opiniões
A rápida expansão do mercado de transgênicos no Brasil é saudada pelas organizações representativas dos produtores. Diretor técnico da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), entidade filiada à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Nery Ribas define os transgênicos como “um diferencial” na agricultura brasileira: “A evolução da transgenia representou uma revolução na agricultura, com a otimização e agilização do processo de produção, a otimização da utilização de máquinas, o ganho de tempo e a manutenção do funcionário na propriedade”, diz. A Aprosoja, segundo seu diretor, considera a transgenia um “evento de suma importância”, uma “uma inovação tecnológica fantástica” e “uma grande ferramenta para o produtor”.

No movimento socioambientalista, a visão é bem diferente. Para Jean Marc von der Weid, membro da Equipe Executiva da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organização especializada em agricultura familiar e agroecologia e fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, por trás da evolução dos transgênicos se esconde uma ameaça concreta à soberania alimentar do Brasil: “As desvantagens das plantas transgênicas em comparação com as convencionais, e mais ainda com as agroecológicas, estão cada dia mais fortes e demonstradas. O que sustenta o domínio dos transgênicos em setores da agricultura brasileira não são suas ‘vantagens comparativas’, mas o virtual monopólio da produção de sementes por parte das empresas que controlam a transgenia”, diz.

A postura da atual gestão do Ministério do Meio Ambiente é levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo

Procurado pela Repórter Brasil por telefone e e-mail, o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Roberto Cavalcanti, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a avaliação do ministério acerca do atual estágio de expansão dos transgênicos no país. Um integrante do segundo escalão do ministério, que pede para não ter seu nome revelado, diz que o tema não faz mais parte das prioridades do ministério: “A postura da atual gestão do MMA é claramente a de levar o tema transgênicos em banho-maria e evitar o enfrentamento dentro do governo”, diz.No governo, a disputa interna que colocou de um lado os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), e de outro os ministérios da Agricultura (Mapa) e da Ciência e Tecnologia (MCT) durante todo o governo de Lula (2003-2010) parece ter sido progressivamente ultrapassada pelos fatos: “A expansão dos transgênicos ocorreu basicamente porque foi gerada uma tecnologia que, pela percepção dos produtores, foi vista como algo que poderia resolver muitos problemas que eles tinham. Por essa razão, a área plantada com essa tecnologia avançou rapidamente e, no Brasil, talvez tenha avançado mais rapidamente do que em outros países em termos de tempo e de área. O caso do milho, por exemplo, foi muito marcante. Isso mostra a importância dessa tecnologia para os produtores”, diz Francisco Aragão, responsável pelos estudos sobre transgênicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, órgão subordinado ao Mapa, onde coordena o Laboratório de Genética.

A Aprosoja reconhece que algumas propaladas vantagens da cultura transgênica não se confirmaram na prática: “Depois de muitos anos, a gente considera que a produtividade e o custo de produção entre a soja transgênica e a soja convencional são iguais. Ao longo dos anos, o preço do glifosato subiu, os preços dos produtos do trato convencional baixaram e assim por diante. Não dá para falar que um produto é mais caro ou mais barato que o outro e que produz mais ou menos que o outro. O que diferencia hoje é a bonificação paga ao produtor convencional. Tem gente que está recebendo o que nunca recebeu: até 50 dólares por tonelada de soja convencional. Isso dá um plus de até R$ 5 por saca. Então, é interessante. O produtor pode fazer as contas. É opção dele, utilizar a soja transgênica ou não”, diz Nery Ribas.

Já os que militam contra a chegada de organismos geneticamente modificados sem as devidas medidas de segurança ao mercado brasileiro dizem acreditar que a atual supremacia dos transgênicos pode ser revertida: “A guerra não terminou, embora tenhamos perdidos algumas batalhas. As evidências sobre os riscos dos transgênicos estão cada vez mais numerosas e contundentes, apesar dos imensos gastos das empresas em propaganda para desqualificar e desmoralizar os cientistas independentes. O que ganhamos nesses dez anos de luta contra os transgênicos foi tempo. Ao impedirmos a invasão transgênica simultânea com a ocorrida nos EUA e Argentina, ganhamos a possibilidade de mostrar aos agricultores brasileiros os problemas vividos pelos produtores desses países após os primeiros anos de aparentes vantagens. Isso não impediu a expansão da soja transgênica, mas a freou. Repare que só no Rio Grande do Sul o predomínio é absoluto, enquanto no Centro-Oeste cresce a resistência a esses produtos”, avalia Jean Marc.

Adoção de biotecnologia agrícola no Brasil, por Estado

Pedidos em série
Sinônimo de transgênico ao longo dos últimos dez anos no Brasil, a soja modificada deve sua entrada no país ao poder da empresa de origem estadunidense Monsanto. Desde 1997, com a chegada às mãos de agricultores gaúchos dos primeiros grãos da soja transgênica conhecida como “maradona”, contrabandeada da Argentina, a Monsanto soube vender as supostas vantagens produtivas da semente RoundUp Ready, mais conhecida como RR, por ser resistente ao herbicida glifosato, também produzido pela empresa. Apesar dos percalços legais – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu este ano a cobrança de royalties da RR aos produtores por considerá-la abusiva – e mesmo com a concessão de autorização para plantio comercial concedida a produtos desenvolvidos por outras empresas, a Monsanto ainda reina absoluta no mercado brasileiro de transgênicos após uma década da liberação de seu primeiro plantio de soja RR.

Órgão responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) já liberou, além dos produtos da Monsanto, outros três pedidos de comercialização de soja transgênica para as empresas Bayer, Basf e Embrapa. Na próxima safra, a Monsanto lançará no mercado uma nova tecnologia, batizada como Intacta, com o início do plantio programado para a segunda quinzena de setembro, que será duplamente resistente a herbicidas e a insetos. A Monsanto decidiu priorizar essa nova tecnologia no Brasil porque a China, principal consumidora da soja transgênica brasileira, liberou este ano sua comercialização, o que traz perspectivas concretas de seu avanço no mercado internacional.

O objetivo manifestado pela Monsanto é ocupar com a nova cultura 10% da área plantada com soja no Brasil. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), a empresa já está disponibilizando para venda aos produtores cerca de 3 milhões de sacas da Intacta. As cinco variedades de soja transgênica que tiveram sua comercialização autorizada pela CTNBio até hoje são: RR, da Monsanto, em 1998; Cultivance, parceria da alemã Basf com a brasileira Embrapa, em 2009; Liberty Link, da alemã Bayer, em 2010 (duas vezes); e Intacta, da Monsanto, em 2010.

Já a liberação comercial do milho transgênico começou em 2007, com as variedades Liberty Link, desenvolvida pela Bayer, Yield Gard, pela Monsanto, e Bt11, pela transnacional de origem suíça Syngenta. Nos anos seguintes, a CTNBio autorizou a produção para fins comerciais de outras 15 variedades de milho transgênico, desenvolvidas por essas três empresas e também pelas estadunidenses DuPont e Dow Agrosciences.

A primeira variedade de algodão transgênico a ter sua produção para fins comerciais autorizada no Brasil foi o Bolgard I, desenvolvido pela Monsanto. Aprovada em 2005, a semente geneticamente modificada também é conhecida como algodão B.t, pois resulta em plantas adicionadas com genes do Bacillus thuringienses, que produzem toxinas com poder inseticida e se tornam resistentes a pragas como o bicudo e a lagarta. Até hoje, a CTNBio já autorizou a comercialização de outras 11 variedades de algodão transgênico, produzidas pelas empresas Bayer e Dow Agrosciences, além da própria Monsanto.

Contaminação
O avanço dos transgênicos no Brasil é acelerado, mas os ambientalistas ainda têm esperança de reverter o cenário atual: “A questão vital para ganhar a batalha no futuro é garantir a produção de sementes não transgênicas e reverter a interpretação legal que faz hoje de um agricultor convencional contaminado por seu vizinho produtor de transgênicos um pirata dos direitos da Monsanto e sujeito a processos e multas. Essa legislação é um dos maiores fatores para o predomínio da Monsanto e outras empresas do gênero, pois permite uma estratégia de dominar pela contaminação e pelo controle da produção de sementes. O agricultor que não quer plantar transgênicos acaba desistindo ao ter de pagar seguidas multas quando sua produção é contaminada”, diz Jean Marc von der Weid, para quem “não seria sequer necessário mudar a interpretação da lei de patentes, mas aplicá-la com rigor”.

O primeiro passo, diz o dirigente da AS-PTA, é regulamentar a cobrança de multas aos agricultores convencionais que têm suas lavouras contaminadas e acabam tachados como piratas da tecnologia transgênica: “Se as empresas fossem obrigadas a cobrar dos agricultores ‘piratas’ apenas a parte transgênica da sua produção, o agricultor contaminado não pagaria mais do que 3% a 5 % de multa, e não os 100% hoje cobrados. A questão é que o teste de transgenia usado pelos fiscais apenas indica se existe mais do que 1% de transgênicos no lote examinado. Com isso, a cobrança é feita como se houvesse 100% de transgênicos no lote. Se a Monsanto for obrigada – e nós vamos à Justiça para provocar uma decisão – a usar um teste que defina com precisão quanto de cada lote é constituído por transgênicos, esse instrumento de constrangimento aos agricultores vai desaparecer”, aposta.

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Entidades alertam para investida da Monsanto sobre patentes na Europa https://transgenicos.reporterbrasil.org.br/entidades-alertam-para-investida-da-monsanto-sobre-patentes-na-europa/ Fri, 12 Apr 2013 18:43:31 +0000 https://reporterbrasil.org.br/transgenicos/?p=28 Mais de 300 organizações e movimentos sociais alertam para a possibilidade de o Instituto Europeu de Patentes autorizar multinacionais a patentearem genes de plantas e animais.

 

O grupo “no patents on foods”, articulação conjunta de mais de 300 organizações e movimentos sociais, alerta para a possibilidade de o Instituto Europeu de Patentes (EPO, sigla em inglês) conceder, nos próximos dias, autorização para multinacionais do ramo da biotecnologia e produtoras de sementes transgênicas patentearem genes de plantas e animais. A iniciativa é captaneada pela Monsanto, segundo as organizações.

Segundo as entidades civis, isso faria com que estas empresas pudessem passar a controlar a propriedade

Tomate-monstro, em protesto, representa o desenvolvimento de transgênicos pela Monsanto na Europa. (Foto: Divulgação / “no patents on foods”)

Tomate-monstro, em protesto, representa o desenvolvimento de transgênicos pela Monsanto na Europa. (Foto: Divulgação / “no patents on foods”)

intelectual exclusiva de vários alimentos, o que levaria a um monopólio sobre a produção mundial de comida, de modo que milhares de agricultores teriam de se submeter a essas coorporações. O alerta é tema de um abaixo-assinado, organizado pela Avaaz, que pretende recolher adesões para pressionar os governos de Alemanha, França e Holanda, estados-membros do EPO, a se posicionar contra tal monopólio da produção de comida e votar no sentido proibir a concessão de mais patentes de gêneros alimentícios.

De acordo com levantamento do “no patents on foods”, a Monsanto possui, hoje, cerca de 36% das variedades de sementes de tomate registradas na agência europeia que administra os direitos sobre variedades vegetais, bem como 32% das espécies de pimenta e 49% das de couve-flor. Junto com a Syngenta, segunda maior corporação no ramo, as duas concentram mais de 50% dos direitos de propriedade intelectual destes três vegetais.

O estudo com as informações compiladas sobre o tema na Europa está disponível aqui, em inglês.

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